terça-feira, 4 de novembro de 2008
A sucessão presidencial passa por Minas
“O primeiro juízo que se faz da mente de um príncipe é observar os homens que ele tem a seu lado. Quando eles são capazes e fiéis, podemos considerá-lo sábio, porque soube reconhecê-los suficientemente e mantê-los fiéis; quando, porém, não forem assim, pode-se fazer mau juízo dele, pois o primeiro erro que comete é o desta escolha”.
Observando as palavras do escritor italiano Nicolau Maquiavel, proferidas no distante século XVI, as alianças que se constroem dentro do jogo político são a base do sucesso ou da ruína de qualquer postulante a um cargo governamental. Porém, uma ressalva plausível de ser comentada, em se tratando de atitudes políticas, é quanto ao seu inimigo partidário se tornar o seu principal aliado para a conquista de um projeto ainda maior de dominação e poder. Isso para ambos. O melhor cenário para essa referência analítica foi as eleições municipais de 2008 em Belo Horizonte e a polêmica aliança entre o atual prefeito Fernando Pimentel (PT-MG) e o governador Aécio Neves (PSDB-MG), em prol da candidatura do socialista Márcio Lacerda (PSB-MG). A união petista e tucana provocou um racha nas bases aliadas ao alcaide, inclusive com longos debates sobre a legalidade dessa parceria pelos membros da executiva nacional do Partido dos Trabalhadores. O resultado da insatisfação com a atitude de Fernando Pimentel foi o lançamento da candidatura da deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG), ex-aliada política e apoiada por dissidentes petistas, como opção contrária ao acordo entre o prefeito e o governador. Não é nenhuma novidade que toda essa articulação visa exclusivamente as próximas eleições do pleito de 2010.
O acordo deu-se da seguinte forma: o empresário Márcio Lacerda é um ilustre desconhecido da maioria da população belo horizontina, apesar de ter ocupado cargos de relevância nos governos Lula e Aécio Neves. Mesmo com o apadrinhamento e o apoio de peso do prefeito e do governador, Lacerda iniciou o primeiro turno como o terceiro colocado em uma disputa com nove concorrentes. Com o início das propagandas eleitorais no rádio e na televisão, o candidato da aliança alcançou o primeiro lugar, mas não conseguiu decidir a eleição já no primeiro turno. Ataques constantes de seus adversários, principalmente da candidata Jô Moraes, fêz-lo disputar o segundo turno com o peemedebista Leonardo Quintão. O deputado federal, a propósito, conquistou a simpatia do eleitorado com uma campanha popularista de proximidade com o cidadão, priorizando o contato direto com o público através de caminhadas e de um discurso simplista de como gerenciar a cidade. Durante as semanas que precederam à segunda votação, os candidatos mantiveram as trocas de acusações e pouco se falou das propostas para o município. Apesar de, inicialmente, as pesquisas divulgadas pelo Instituto Ibope apresentarem uma vantagem de aproximadamente 30% de diferença a favor do candidato do PMDB, o aspirante a prefeito não conseguiu manter a liderança estabelecida. A chapa de Márcio Lacerda, tendo o petista Roberto Carvalho como vice, foi eleita com 767.332 votos, ou 59,12% dos válidos, e Leonardo Quintão, junto com o seu vice Eros Biondini, obtiveram 530.560 adesões a suas propostas políticas.
Dentre as promessas de Márcio Lacerda para a sua gestão municipal encontram-se a construção de um hospital metropolitano na região do Barreiro, a criação de dez mil novas moradias em vilas e favelas, a expansão da capacidade do metrô dos atuais 150 mil para 800 mil passageiros/dia, a construção de 12 escolas de ensino fundamental e a ampliação de outras seis, a implantação de 100 novos postos de acesso à internet na capital, além de outros compromissos acordados com a população. Para isso, Lacerda conta com o apoio de uma bancada de 34 vereadores dentre os 41 que exercerão o mandato eletivo para os próximos quatro anos. Para o futuro prefeito, a manutenção da governabilidade de seu mandato passa pelo equilíbrio nas relações entre o executivo e o legislativo e será a base principal para alavancar o real projeto por trás de sua candidatura.
Aliás, a vitória de Márcio Lacerda, apesar de toda ajuda política que recebeu, foi um mérito próprio de seu esforço em conquistar os votos dos indecisos e dos eleitores descrentes da sua pessoa. Dois fatores foram fundamentais para as mudanças nas intenções de voto: com o quase empate técnico no primeiro turno, Lacerda foi obrigado a buscar o apoio popular para promover uma restauração da sua imagem pública, atacada duramente pelos candidatos concorrentes que o denunciavam sobre uma possível participação no caso do Mensalão. Certo de que o apoio recebido até então do governador e do prefeito não faria diferença para uma possível transferência de votos, Lacerda tentou reverter o quadro através de um corpo a corpo com o eleitorado, apesar das dificuldades em manter um relacionamento com o cidadão que, desconfiado, ainda não havia decidido pela aceitação do candidato. Outro fator importante para a ascensão de sua candidatura foi a falta de competência do candidato Leonardo Quintão em administrar a vantagem obtida no primeiro turno. Um dos erros de Quintão foi não manter uma postura oposicionista nem ao prefeito e nem ao governador, o que agradaria aos eleitores que discordavam da aliança. Contrariando alguns de seus coordenadores que insistiam em uma posição mais clara e mais firme na sua atitude política, o deputado federal adotou em boa parte de sua campanha um discurso de elogios tanto para um, quanto para o outro, afirmando sempre que possível, a sua pretensão de ser mais um parceiro do presidente Lula. Além do mais, Leonardo Quintão, atualmente com 33 anos de idade, aumentou a sua fragilidade política ao adotar um linguajar cheio de equívocos gramaticais diante das câmeras de televisão, incluindo um modo quase infantil ao expressar suas idéias e projetos administrativos para a cidade. Esse engodo o transformou em motivo de deboche na internet, além de diminuir circunstancialmente as suas chances de vitória durante o segundo turno. Não querendo cometer ou ser vítima de um erro histórico, boa parte da população optou por Márcio Lacerda como sendo o mais capacitado para administrar a capital mineira.
Vencedores X Derrotados
Alguns nomes de peso nacional estiveram envolvidos nas coligações que concorreram à composição da Câmara Municipal e à Prefeitura de Belo Horizonte para 2009. O desgaste nas relações políticas entre o prefeito Pimentel e a sua antiga base, em referência à ala esquerdista que não concordou com a aliança, favoreceu o crescimento do PMDB como alternativa para os que foram derrotados no primeiro turno.
Pelo lado da situação, a coligação formada pela aliança política entre a cidade e o estado contou com a participação do governador Aécio Neves, do prefeito Fernando Pimentel, dos deputados federais Virgílio Guimarães e Miguel Côrrea Júnior, além da base aliada de vereadores que formam a bancada de apoio.
Pelo lado democrata, estiveram presentes os ministros Hélio Costa (PMDB-MG), Patrus Ananias (PT-MG), Luiz Dulci (PT-MG), o vice-presidente da República José Alencar, além da candidata derrotada Jô Moraes incluindo o delegado regional do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o ex-deputado Rogério Côrrea.
Indiscutivelmente, os maiores vencedores deste embate nas urnas foram o governador Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel. Articuladores ideológicos da união entre tucanos e petistas, ambos conseguiram emplacar a candidatura de Márcio Lacerda apoiado por uma união entre partidos rivais no segundo maior colégio eleitoral do país. Apesar da vitória em Minas, uma mesma aliança em nível nacional é um fato quase impossível de ser realizado. Mesmo saindo fortalecidos da disputa, a conquista da prefeitura municipal apenas no segundo turno frustra as pretensões de Aécio Neves em fortalecer a sua candidatura à presidência da república pelo PSDB, o mesmo ocorrendo com Fernando Pimentel na disputa pelo Palácio da Liberdade. Para o prefeito, a situação é um pouco mais difícil. Para se eleger governador em 2010, Pimentel terá que cicatrizar as feridas deixadas dentro PT mineiro após a coligação com o governador, além de disputar a vaga com outros nomes importantes do partido e fora dele. A reaproximação com o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, e com o chefe da secretaria-geral da Presidência, ministro Luiz Dulci, será de extrema importância para Pimentel consolidar o seu nome na disputa pela indicação ao governo do Estado. No caso de Aécio Neves, o seu maior oponente será o governador de São Paulo, José Serra. Aliás, ambos foram criticados por fazerem alianças contrárias à orientação do PSDB.
No cenário paulista, o governador José Serra sustentou seu apoio partidário de forma um pouco distante do candidato Geraldo Alckmin, mantendo-se tímido na campanha tucana à prefeitura. Ao contrário, no segundo turno, teve participação efetiva na defesa do atual prefeito Gilberto Kassab (DEM-SP). A derrota da candidata Marta Suplicy (PT-SP) deu a José Serra o maior colégio eleitoral do Brasil e, mantendo-se uma possível aliança com os Democratas, o governador é um fortíssimo candidato a indicação do partido para ser cabeça de chapa na sucessão do presidente Lula. A diferença entre as alianças tucanas pode ser explicada assim: em Minas, Aécio Neves procurou a aproximação com seus adversários políticos enquanto que, em São Paulo, José Serra tentou resgatar amizades com antigos aliados.
Sobre os derrotados, além do candidato Leonardo Quintão, outros importantes políticos tiveram seus sonhos frustrados pelas urnas. A candidata Jô Moraes foi derrotada duas vezes: em primeiro turno, quando ficou em terceiro lugar na disputa e no segundo, ao dar seu apoio ao peemedebista mesmo sem o consenso do seu partido. O ministro Patrus Ananias foi um dos principais críticos à aliança com os tucanos dentro do partido. Como não conseguiu evitá-la e ainda com o insucesso da candidata do PCdoB para alcançar a prefeitura, decidiu não apoiar nenhum candidato. Assim também ocorreu com o ministro Luiz Dulci. O vice-presidente José Alencar não conseguiu transferir votos para o candidato Leonardo Quintão, passando quase que despercebida a sua participação na campanha peemedebista. Mas, o maior derrotado nessa corrida para o Palácio da Liberdade foi o ministro Hélio Costa. Com a derrota de seu candidato, Costa viu suas chances diminuírem para uma disputa mais acirrada com os outros candidatos ao governo de Minas. O ministro confiava em uma vitória em Belo Horizonte para construir a sua candidatura ao governo do estado. Um trunfo que pode favorecer o futuro candidato nas próximas eleições é o fato de que o seu partido, o PMDB, possuir as maiores bancadas no Senado e na Câmara, além de ter saído fortalecido nacionalmente no último pleito municipal.
A importância de Minas e São Paulo no cenário político nacional é a grande cartada que o PSDB guardará em suas mãos para 2010. Com o sucesso das alianças tecidas por Aécio e Serra, o presidente Luiz Inácio terá dificuldades em validar o nome da ministra Dilma Rousseff para sucedê-lo no Planalto. Para obter êxito em seu projeto, Lula terá que conseguir o apoio em três estados estratégicos para manter a governabilidade no caso de uma possível vitória da ministra. Sendo assim, tende a aliar-se aos peemedebistas, já que o partido possui uma grande representatividade no cenário nacional. No Rio de Janeiro, o presidente deverá apoiar um nome que seja candidato pelo PMDB, podendo ser o atual governador Sérgio Cabral, que também teve o seu nome comentado como vice na chapa petista. Em Minas, Lula desejaria a cabeça de chapa. Os mais indicados são o prefeito Fernando Pimentel e o ministro Patrus Ananias mas, devido a uma possível reivindicação do PMDB por uma coligação no estado, o ministro Hélio Costa também pode ser considerado como um nome forte para 2010. Em São Paulo, a situação se repete, com uma propensão a uma aliança PT/PMDB. Essa colcha de retalhos, com emendas e costuras ainda a serem produzidas, fará parte, daqui para frente, do cotidiano político e das manchetes jornalísticas para os próximos dois anos. (CS)
Fotografia: Claudinei Souza
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