quarta-feira, 19 de novembro de 2008
O fenômeno Obama ou como um mestiço conquistou a América
A eleição de um afro-americano para o comando da maior nação bélica do planeta era, há muito pouco tempo, algo tido como improvável, e até mesmo quase impossível de ser aceito por muitos analistas políticos não somente nos EUA, mas em todo o resto do mundo. A escolha de um senador negro para a Casa Branca pode ser considerada um grande passo na luta contra o preconceito racial nos Estados Unidos, colocando uma breve trégua a um apartheid que ainda se mantêm ativo em suas entranhas sociais. Para refletirmos sobre a conquista de Barack Obama frente ao pleito norte-americano, sob a perspectiva de uma conquista racial, vale ressaltarmos a luta anti-segregacionista ocorrida no país durante a década de 1960, movida por Martin Luther King e Malcolm X, além de Huey Newton e Bobby Seale, fundadores do Partido dos Panteras Negras.
Eu tenho um sonho
No dia 28 de agosto de 1963, o pastor e ativista político Martin Luther King Jr. falou de seu sonho para todos os seus concidadãos da América nos degraus do Lincoln Memorial, em Washington, Distrito de Columbia. Naquele dia, com a estátua do ex-presidente Abraham Lincoln servindo de honroso púlpito, Luther King declamou seu discurso de mobilização social pela luta contra o apartheid nos EUA e o respeito aos direitos civis dos negros e das mulheres no país e no mundo, através de um manifesto de não-violência e de amor ao próximo. King considerava que as idéias de desobediência não-violenta, difundidas pelo líder indiano Mahatma Gandhi, aplicavam-se também aos Estados Unidos. Em seus conceitos sobre a idealização de mudanças, afirmava que a realização de protestos pacíficos contra o sistema segregacionista norte-americano, principalmente na parte sul do país, conseguiria atingir um clamor público favorável à causa dos direitos civis da população negra. Mas, esse era um pensamento que nem todos compartilhavam.
Enquanto Martin Luther King acreditava que a resistência pacífica agiria como uma arma contrária ao racismo e a segregação, Malcolm Little, um dos principais defensores dos direitos dos negros no país, defendia a separação das raças, a independência econômica e a criação de um Estado autônomo para os negros. Segundo ele, a questão negra não era apenas uma questão social, mas sim uma questão política, civil e econômica. Sua aproximação com os ideais socialistas o levou a perceber que a questão do negro americano passava pela estrutura opressora do capitalismo. Através dessa nova forma de interpretação do cotidiano social norte-americano, Malcolm X idealizou a Organização da Unidade Afro-Americana, uma entidade focada nos problemas das minorias sociais da população dos Estados Unidos. A sua opção pelo assistencialismo e pela violência foi de grande relevância para o surgimento de importantes movimentos no fim da década de 1960, como a criação do Partido dos Panteras Negras. Little ponderava que a violência não poderia ser interpretada como um ato de barbárie, mas como um meio legítimo de conquistas, reafirmando em seus discursos que todas as mudanças históricas da humanidade se deram através dela. A violência proposta por Malcolm X era, portanto, um método de transformação e não uma agressão gratuita.
O Partido Pantera Negra para Auto-Defesa, mais tarde Partido Panteras Negras, foi fundado na cidade de Oakland, na Califórnia, por Huey Newton e Bobby Seale, no ano de 1966. No início de suas atividades, o idealismo político dos Panteras consistia em promover patrulhas pelos guetos negros oferecendo proteção aos moradores contra os atos de brutalidade praticados pela polícia nos subúrbios. Logo mais, além dessa ‘proteção’, o grupo passou a reivindicar a isenção do pagamento de quaisquer tributos pelos negros e exigiam outros direitos contrários à igualdade de convivência social, tornando tais pedidos arbitrários e impossíveis de serem aceitos. Uma ala mais radical do partido defendia a luta armada a favor dessas exigências. Os conflitos entre membros dos Panteras Negras e a polícia nas décadas de 1960 e 1970 provocaram várias mortes, incluindo a prisão de Newton sob a acusação de ter assassinado um policial. A violência causada pelo conflito gerou uma hostilização ainda maior por parte da polícia com relação aos negros e aos Panteras. Em meados da década de 1970, já sem a total simpatia de vários líderes negros e com muitos de seus membros presos, o Partido dos Panteras Negras abandonou a violência por uma política convencional de prestação de serviços sociais nas comunidades negras americanas.
Todo esse idealismo igualitário para uma equiparação racial entre negros e brancos, sonhado pelos muitos ativistas que participaram daquela época, foram concretizados com o resultado das urnas nas últimas eleições. A escolha do senador de Illinois, Barack Obama, como presidente dos Estados Unidos, e o primeiro negro a sentar na cadeira que pertenceu a George Washington, tem uma significação, em especial, devido à segregação de cor que sempre predominou no território norte-americano.
Onde a cor influenciou na disputa?
Se você parar para rever alguns artigos e vídeos veiculados ao candidato Obama, enquanto transcorriam os meses antes das eleições, poderá observar que em momento algum ele usa o artifício de ser negro para pedir votos. Ao contrário, ao deixar que os outros agregassem significados raciais para a sua candidatura, o senador se isentou de comentar assuntos relativos à luta pela igualdade dos negros no país. A estratégia de campanha de Barack Obama, nesse caso em específico de ser um candidato que está desafiando a história, foi colocar-se como uma figura que nega a história, que ignora tabus pré-estereotipados. O intuito foi, durante todo o tempo, retirar o estigma de um candidato negro que concorria à Casa Branca, mas não rejeitando o apoio daqueles que viam nisso uma vitória racial. Uma boa jogada de marketing da equipe de campanha foi a data escolhida para um dos discursos mais importantes de sua candidatura - 28 de agosto -, ocorrida em Denver, no estado do Colorado, coincidindo com o 45º aniversário do discurso “I have a dream”, de Martin Luther King. A alusão à data tornou o evento uma comparação não assumida, mas induzida a uma correlação entre ambos os líderes.
Outra confirmação de que Obama manteve afastado o estereótipo de negro pode ser observado no discurso de comemoração por sua indicação para concorrer à presidência pelo Partido Democrata, derrotando a senadora por Nova York, Hillary Clinton. Em seu pronunciamento, não há menção sobre sua raça, apenas uma dedicatória à sua avó. O mesmo aconteceu no seu discurso após a vitória sobre o republicano John McCain. “Se pessoas ainda têm dúvidas de que a América é o lugar onde as coisas são possíveis, que ainda acreditam que os sonhos dos nossos fundadores ainda estão vivos, se ainda questionam o poder da nossa democracia, esta noite é a sua resposta”. Não há nada que o vincule, novamente através de seus agradecimentos, sobre ter sido apoiado, ou eleito, por uma bandeira ideológica consolidada à sua condição de negro. Ao contrário, em um país onde somente 12% da população são negras, seria um desastre utilizar essa estratégia como lema de campanha para alcançar a aprovação do seu nome como o representante máximo do Estado.
O que ocorreu então?
Embora a vitória de Obama traga um simbolismo histórico a uma nação marcada pelo preconceito racial, a eleição de um democrata não surpreende. Devido ao processo de recessão e a grave crise financeira no país, as chances do Partido Republicano diminuíram bastante, tornando quase remotas a continuidade através de mais um mandato. Grande parte da derrota republicana deve-se aos baixos índices de popularidade do presidente George Walker Bush. Os eleitores culpam a Presidência pela crise instaurada e não pensam no governo como um conjunto político. Esse fato impulsionou a escolha por Obama em muitos estados vencidos por Bush em 2004.
Superficialmente, o candidato derrotado John McCain parecia ter todos os requisitos para conseguir a cadeira presidencial: é detentor de uma boa experiência política, reconhecido por ‘bravura e heroísmo’ durante a Guerra do Vietnã e conhecedor de política internacional. Seu adversário à Casa Branca era apenas um político inexperiente e quase desconhecido senador negro do estado de Illinois. Até a essa análise, as chances de Obama eram quase improváveis, mas vários fatores prejudicaram a campanha de McCain. O primeiro, e talvez o maior deles, foi conseguir arrecadar dinheiro para competir com os US$ 650 milhões arrecadados por Obama. Por ter aceitado verbas federais - ajuda que Barack Obama dispensou - o republicano limitou o gasto máximo de sua campanha em “míseros” US$ 85 milhões. O Comitê Nacional Republicano, incluindo alguns grupos pró-John McCain, gastaram bem mais do que isso. A habilidade de Obama em se apresentar nos canais de televisão também influenciou na derrota do candidato que, para piorar, tinha dinheiro necessário para forçar McCain a gastar em Estados que, teoricamente, eram republicanos. Com a verba reduzida, o veterano pouco pode fazer para reverter o quadro de derrota que se instaurava cada vez mais sobre a sua candidatura. Outra dificuldade enfrentada por McCain foi tentar se distanciar da imagem negativa do governo de George W. Bush sem rejeitar explicitamente o seu apoio. Como a maioria dos republicanos mais leais, manteve a sua solidariedade a Bush alegando apenas que seria um presidente diferente. Essa alegação foi colocada várias vezes por Obama nos debates que aconteceram pelo país, relacionando o fato a um continuísmo do atual governo. Outro fator que prejudicou a candidatura de John McCain à presidência foi a fragilidade política de sua vice, a governadora do Alaska, Sarah Palin. Sua indicação foi uma grande aposta para acalmar a ala direita do partido, formada em sua maioria pela bancada evangélica, que não foi tão simpatizante com a escolha de McCain como o candidato representante do partido para a corrida presidencial. A escolha de Palin como companheira de chapa, sem ao menos a candidata possuir um know-how nacional ou internacional que a qualificasse para o cargo, também foi argumentado pelos democratas como fator de fragilidade política dos republicanos. Nas poucas entrevistas que deu, Sarah Palin deixou claro que não entendia de questões de política internacional com a mesma profundidade que qualquer um de seus adversários. Na verdade, John McCain não conseguiu manter uma linha de coerência em seu discurso político, passando de herói de guerra a profundo conhecedor da política e mais tarde alterando-o para um candidato dissidente do modo de governo implantado por Bush. Em toda a campanha, ele em nenhum momento conseguiu abalar a candidatura democrata. Foram perceptíveis, em alguns debates televisivos, o autocontrole de McCain para conter um semblante sereno quando atacado por Obama. Talvez essa falsa característica para um ex-combatente de guerra tenha gerado uma cobertura negativa da imagem do candidato entre os eleitores que acreditavam na força de um super-homem.
Em uma análise final, a candidatura de John McCain à Casa Branca projetava a figura de um homem voltado ao saudosismo dos bons tempos republicanos nos Estados Unidos, de um cidadão público que passou por muita coisa e serviu bem ao seu país. Mas, para uma nação decepcionada com o regime republicano, e o apelo de um adversário mais jovem com uma mensagem de mudanças na postura administrativa americana, foram inimigos que McCain não conseguiu vencer durante esta que, talvez, tenha sido a sua última grande batalha. (CS)
Imagem creditada a Associated Press
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