quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Notícias do front


FELIZ ANO NOVO! Garanto que essa célebre frase foi dita e repetida inúmeras vezes, e em vários idiomas, pelas longínquas partes do planeta onde pessoas aguardavam a contagem final dos momentos que ainda prendiam o futuro a 2008. Mas, realmente (...) feliz ano novo para quem? Para os que possuem onde dormir e o que comer? Aos que são vistos como pessoas felizes dentro de seu meio social? A quem? A você que lê este comentário?
Posicionando-me em um âmbito maior de abrangência, sem a total pretensão de ser fisicamente assistencialista e retirando os duros questionamentos existenciais em que muitas vezes nos vemos envoltos, o ano de 2009 não será um ano feliz para milhões de pessoas espalhadas pelo mundo. No Brasil, várias são as famílias vítimas das enchentes veranistas, de acidentes automobilísticos típicos de fim de ano e de catástrofes que poderiam ser evitáveis, como a prévia desocupação habitacional de locais e de áreas de risco eminente à segurança e a saúde pública. Muitos cidadãos sofreram suas perdas já nas primeiras horas do novo ano, incluindo algumas insubstituíveis. Mas, não somos os únicos padecidos (...) Outros milhares estão em situações que, por mais indescritíveis que possam ocorrer ou que possam ser relatadas, não possuem uma expectativa de melhoria em curto prazo. Nem política e nem assistencial.
Certamente este ano não será tão feliz para uma imensidão de pessoas, principalmente para as nações envolvidas em conflitos armados. Não me refiro somente ao antigo conflito entre judeus e palestinos, em evidência na mídia atual. Além deste, permanecerá para 2009 a ocupação no Iraque e no Afeganistão mantida pelos Estados Unidos e por seus últimos aliados. Vários serão os outros locais onde a atenção da comunidade mundial deverá estar focada durante este período, como a Índia e o Paquistão, além do Irã e da Coréia do Norte. Digo primeiramente estes, não ignorando os conflitos étnicos e políticos na África ou mesmo menosprezando-os; mas serão nestes países que a diplomacia política deverá ser mais utilizada pelas grandes nações do Ocidente. O motivo? Todos possuem armas atômicas ou estão bem próximos de obtê-las. Por enquanto vou ater-me as minhas especulações sobre o conflito na Faixa de Gaza.

O Estado de Israel x o Povo Árabe-Palestino

Há séculos que o povo judeu permanece espalhado por todo o mundo, sonhando em voltar para a Terra Prometida pelo patriarca Moisés. Retornar ao Monte Sião, uma colina que, simbolicamente se tornou um sinônimo da cidade de Jerusalém, tornou-se um desejo que já não poderia mais ser contido pelos israelenses. O que nunca foi considerado como um empecilho por eles é que o lugar escolhido para reerguer o antigo Reino de Israel já era habitado por meio milhão de árabes, com raízes e tradições milenares assim como as dos judeus.
Segundo o pesquisador Edgardo Otero, em A Origem do Nome dos Países, a publicação de um livro escrito pelo jornalista vienense Theodor Herzl, em 1896, teria incentivado ainda mais essa vontade do retorno à Pátria-Mãe. O Estado Judeu retomava a idéia de constituir um país que relembrasse o antigo poderio do Reino de Judá, longínquo até mesmo nos costumes vividos pelos atuais descendentes.
Para alcançar o fabuloso objetivo, lideranças adeptas das idéias de Herzl formaram uma poderosa aliança com a Inglaterra, país este que considerava a causa dos nacionalistas judeus apenas como um pretexto para a expansão britânica no norte da Palestina. Um personagem desse acordo foi o britânico Arthur Balfour, ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha. Em 02 de novembro de 1917, Balfour declarou o apoio do Reino Unido à causa israelense, em um pronunciamento que ficaria conhecido como a Declaração de Balfour. Com o apoio britânico, houve a transferência populacional de judeus de todas as partes do mundo para a Palestina. Segundo antigos dados demográficos, no início do século XX viviam no território palestino aproximadamente 500 mil árabes e 50 mil judeus. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a imigração judia aumentou ainda mais, infelizmente devido à postura antissemitista da Alemanha e do regime nazista, causadora de incontáveis atrocidades e de perseguições indiscriminadas contra o povo judeu. As imigrações eram principalmente da parte oriental da Europa, oriundas da Rússia, dos Estados bálticos e da Polônia.
Outro fator de agregação em torno do orgulho judeu foi a unificação do idioma utilizado pelos descendentes de Abraão. O renascimento do hebraico, língua original dos judeus, quase fora esquecido pelo tempo, anteriormente utilizado apenas nos ofícios religiosos.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os britânicos ainda tinham o controle da Palestina, embora o Iraque e a Jordânia, suas ex-colônias, tivessem recebido o benefício da independência governamental.
A crise entre os palestinos e os judeus, na era moderna, talvez possa começar a ser datada a partir desse momento.
Com a massiva imigração israelense para o Oriente e os primeiros enfrentamentos entre os dois grupos, a Inglaterra começa a ver arruinar o seu domínio sobre os territórios em disputa e, em fevereiro de 1947, decidiu apresentar o problema palestino às Nações Unidas. A recomendação da entidade foi a divisão do território em dois Estados independentes: um árabe e outro judeu. A cidade de Jerusalém, que ambos reivindicavam o controle, deveria ser administrada por uma autoridade internacional.
Um aspecto importantíssimo que a ONU não levou em consideração sobre Jerusalém foi o fato de que a cidade esteve sob o controle administrativo dos muçulmanos por quase setecentos anos, de 1244 a 1917. Outro detalhe não levado em conta foi que essa metrópole, e grande parte do território da Palestina, são consideradas “terras sagradas” para três religiões distintas: a muçulmana, a judaica e a cristã.
Apesar dessas ‘pequenas’ observações em contrário, ficou estabelecida e reconhecida pela Onu a criação do Estado de Israel, datada em 08 de maio de 1948. Davi Ben Gurion, do Partido Trabalhista, lideraria a nova nação. Óbvio que os palestinos e os países árabes não concordaram com a determinação internacional e iniciou-se um conflito histórico pelo domínio do território.
Logo após a proclamação do novo Estado, os exércitos da Jordânia, do Egito, da Síria, do Iraque e do Líbano não toleram a afronta e atacaram imediatamente. O conflito não durou muito tempo (entre maio de 1948 a janeiro de 1949) e terminou com um armistício assinado pelos países subjugados pelo vencedor Israel, que acabou por incorporar e expandir as suas fronteiras.

Durante todo esse período, desde a sua criação, o Estado de Israel sempre colecionou inimigos no Oriente Médio. A Primeira Intifada, batizada de Revolta das Pedras, ficou simbolizada no Ocidente pelas imagens de palestinos atacando tanques israelenses apenas com pedaços de paus e pedras, manifestação iniciada no campo de refugiados de Jabaliyah, no extremo norte da Faixa de Gaza. É nesse período que o grupo islâmico Hamas começa a ganhar notoriedade, dando um caráter religioso ao movimento palestino.
A discórdia manteve-se com a Segunda Intifada, desencadeada desta vez pela visita de Ariel Sharon, então líder do Partido Likud, à área conhecida como Esplanada das Mesquitas. A presença de Sharon no local foi interpretada pelos palestinos como uma provocação de Israel. De início, a Segunda Intifada foi quase igual a sua antecessora, mas ganhou impulso maior à medida que grupos extremistas como a Jihad Islâmica, o Hamas e as Brigadas de Al-Aqsa começam a cometer vários atentados suicidas no território israelense. Em resposta, Israel reocupou partes da Cisjordânia sitiando, também, o antigo líder palestino Yasser Arafat em seu escritório em Ramallah. A propósito, Arafat representava a Autoridade Palestina e era um dos líderes do Fatah, a maior das facções da Organização pela Libertação da Palestina, presidida também por ele.

Onde está localizada a Faixa de Gaza?


A Faixa de Gaza é um território situado no Oriente Médio, limitado a norte e a leste pelo Estado de Israel e ao sul pelo Egito. A sua extensão oeste é banhada pelo Mediterrâneo. É uma das regiões mais densamente povoadas do planeta, com aproximadamente 1,5 milhões de pessoas distribuídas em uma área equivalente a 360 km². Gaza é a sua principal cidade e o seu espaço aéreo e marítimo é controlado por Israel.

A população do território é formada por refugiados remanescentes da guerra ocorrida entre Israel e os países árabes.
Basicamente, a Faixa de Gaza esteve sobre o controle do Egito entre os anos de 1949 e 1967, exceto entre 1956 e 1957 quando foi tomada por Israel durante a crise do Canal de Suez.

Párias em suas próprias terras, as vítimas resultantes do conflito não foram reconhecidas como cidadãos egípcios, embora o país tenha aceitado que estudassem nas suas universidades. Consequentemente, Israel não permitiu o regresso dos antigos habitantes e nem tão pouco os recompensou financeiramente pela perda de suas terras.

Com a descrença política da população em relação à reestruturação da Autoridade Palestina após a Segunda Intifada, o grupo extremista Hamas, fundado em 1988 a partir de um movimento de assistência social que surgira da Irmandade Muçulmana, ganhou força e simpatia entre as comunidades da região. A aparente incompetência da Autoridade Palestina contra a ação de Israel, em Gaza, fortaleceu o grupo como entidade política.

Após a morte de Arafat, em 2004, a opinião pública palestina transferiu a sua lealdade ao Hamas, elegendo seus dirigentes como responsáveis por representá-los no território nas eleições de 2006. O resultado das urnas palestinas não foi aceito como válido pelos israelenses e nem pelos norteamericanos, que não reconheceram o pleito por considerar o Hamas um grupo terrorista e afirmando que não houve uma transparência ou um acompanhamento confiável sobre as apurações, preferencialmente sob a observação da ONU.
Com a vitória eleitoral, a tensão política voltou-se internamente em ataques verbais entre o grupo islâmico e o Fatah, presidido por Mahmoud Abbas.

Com o apoio político dado pela população, o Hamas passou a atacar Israel com mísseis disparados a partir do território da Faixa de Gaza. Em 2007, o grupo rompeu todos os entendimentos com o Partido Fatah por não aceitar que o rival mantivesse negociações com Israel, assumindo as decisões em Gaza e banindo o rival para atuações somente na Cisjordânia. Encerrada uma trégua de cessar fogo que durou quase seis meses em 2008, o grupo Hamas voltou a atacar o território israelense com projéteis lançados a partir da Faixa de Gaza. Israel respondeu com uma nova ofensiva sobre o território palestino, iniciada no final de dezembro passado.

Por que Israel não vencerá o Hamas apenas pelo uso da força?

Acredito que a metodologia dos ataques iniciais contra o Hamas em Gaza esteja bem próxima da última ofensiva israelense no sul do Líbano, em meados de 2006, quando o exército judeu tentou subjugar o grupo Hezbollah, salvaguardando-me do fator território. Além das baixas civis, a ação de Israel não conseguiu alcançar nenhuma vitória estratégica ou definitiva contra o grupo radical islâmico; apenas formalizou mais um empecilho para todos que buscam a paz no Oriente Médio. O confronto no Líbano deu-se em uma área montanhosa, não tão densamente habitada. Nessa região, o Hezbollah possui a simpatia da Síria e do Irã, o que não proporcionou a Israel isolar o movimento extremista de possíveis apoios armamentícios e de logística. Claro que uma guerra é sempre imprevisível e o seu enredo é escrito dia após dia. No caso libanês, Israel não conseguiu manter a sua meta inicial que era o resgate de seus dois soldados sequestrados e o desarmamento total ou mesmo parcial do Hezbollah.
A vantagem israelense nesta nova empreitada bélica muda um pouco, em contrapartida ao ocorrido no Líbano. Gaza é uma faixa estreita e plana que faz fronteira com Israel, o Mediterrâneo e o Egito, país que não gosta do Hamas!

Ao isolar o norte do território desde o sul, Israel cercou a região criando uma situação militar diferente da anterior contra o Hezbollah. As metas agora são mais alcançáveis, pois tratam do enfraquecimento e não do banimento do Hamas. A resolução do governo judeu agora é somente evitar o disparo de mísseis contra o seu território a partir da Faixa e a garantia de novos acordos na fronteira Egito - Gaza, evitando que o grupo extremista se rearme. O fim do conflito atual vai exigir uma diplomacia externa, certamente do Egito e provavelmente dos Estados Unidos e da Turquia. E não será um acordo fácil. O Hamas quer se salvar, mas depende de suas lideranças políticas e militares dentro de Gaza e na Síria. A vantagem que o grupo extremista possui é que quanto mais tempo durar a ofensiva, e a resistência insurgente combatê-la, mais a opinião internacional será favorável ao fim do conflito, fortalecendo os interesses do Hamas.

Quais são as pretensões do Hamas?

Sobre o Hamas, vale ressaltarmos: mesmo que o exército de Israel consiga uma 'vitória' considerável contra as ações terroristas do grupo, causando danos significativos em sua organização e logística, os seus membros não se renderão e nem tentarão fugir da guerra. Para o Hamas, quanto mais civis morrerem durante o conflito, mais o objetivo extremista será alcançado: vencer a guerra através da sensibilização de corações e mentes no mundo islâmico, intuito que anima o eixo Irã-Hezbollah-Hamas. Além disso, Israel não possui um apoio diplomático entre todas as nações da Liga Árabe e o grupo Hamas nunca escondeu o seu ódio antissemitista. Aliás, em sua carta de fundação, datada de 1988, desconsidera qualquer esforço diplomático para a questão palestina. O Artigo 13 do documento realça esse pensamento: “As iniciativas e as chamadas soluções pacíficas e conferências internacionais estão em contradição com o Movimento de Resistência Islâmica”. Acho que mais claro é impossível. O grupo não aceita a existência do Estado Judeu e fará de tudo para destruí-lo. Resta apenas a Israel se defender das ameaças e das agressões sofridas, impostas por seus inimigos que se afirmam irredutíveis.

O papel do Egito no cenário da crise


Após a fundação do Estado judeu, Israel viu-se em guerra com algumas nações árabes que não aceitaram a resolução da ONU. O Egito, especificamente, teve a Península do Sinai ocupada, perdendo assim o contato com o restante do mundo árabe. Somente em 1979 os dois países assinaram um acordo de paz para a retirada israelense do Sinai. Desde então, apenas o país e a Jordânia são os únicos membros árabes que mantêm relações diplomáticas com Israel.
Mediador no último acordo israelense-palestino, o país das pirâmides exerce uma pequena diplomacia respeitável por ambos os territórios. Apesar da quebra do último acordo por Israel, que não retirou o embargo econômico e a consequente liberação das fronteiras da Faixa de Gaza, o Egito mantêm-se com credibilidade para negociar com ambos.

O curioso é que a passagem através da cidade de Rafah, no sul da Faixa de Gaza, continua bloqueada pelo apoio egípcio ao embargo israelense. O que se espera do Egito é pelo menos uma postura mais coerente com a situação palestina. Não é mais possível mediar acordos de paz e ao mesmo tempo manter um bloqueio agressivo nas fronteiras do seu território com Gaza.

Uma segunda explicação para as atitudes de Israel


O governo israelense precisa conter o lançamento de foguetes contra o sul do seu território e forçar o enfraquecimento do grupo extremista Hamas, notadamente infiltrado em suas fronteiras. Para isso, lançou mão de um ataque aéreo e de uma ofensiva terrestre pela Faixa de Gaza. Se observarmos os efeitos internos na opinião pública israelense, encontraremos um maciço apoio às intervenções militares contra o Hamas. Isto é um fator importantíssimo, levando em consideração que no mês que vem, propriamente no dia 10 de fevereiro, haverá eleições gerais para o Parlamento do país. Mas esta não é uma simples ou verdadeira questão para conquistar o eleitorado. Prevalece a justificativa de que os foguetes disparados em território palestino podem atingir uma distância de até 40 km dentro do perímetro israelense, o que ameaçaria as populações das cidades de Beersheba e Ashdod.
Em questão de proporcionalidade, as baixas em decorrência desses projéteis são insignificantemente mínimas em relação ao suplício palestino. Mas, sob a ótica israelense, essa não é a questão.

O problema é que a constante ameaça dos mísseis está tornando impossível o bem estar dos moradores nas prováveis áreas a serem atingidas, incluindo em grande parte do país. Essa incerteza na segurança aumenta a pressão popular para que algo seja feito.

Uma das hipóteses que levou ao aumento da violência na região foi a própria disputa para estabelecer novos termos em um novo acordo de paz. O Hamas estava muito insatisfeito com a situação imposta por Israel e a considerava injusta. Praticamente, o bloqueio econômico ao Hamas piorou. Com a fronteira de Gaza aberta apenas esporadicamente, as oportunidades econômicas do grupo continuaram mínimas, o que relativamente o mantêm isolado no mundo árabe.
Segundo suas reivindicações, o Hamas necessita reconstruir e reassegurar o controle do poder político e manter os postos de fronteira na Faixa de Gaza abertos com mais frequência, a fim de demonstrar que possui e que pode trazer benefícios econômicos para os palestinos.

Essa mesma população, sempre refugiada, pode ser considerada como detenta em uma vasta prisão e pagando o preço da inimizade entre o Hamas e Israel. É claro que há uma outra importante fronteira na região, entre a Faixa de Gaza e o Egito. Porém, esta também permanece fechada a maior parte do tempo por temor de que militantes do Hamas atravessem-na e incentivem o desenvolvimento de grupos semelhantes dentro do território egípcio.

O grupo também não aceita o comportamento dos soldados do exército de Israel que atacam qualquer militante armado do Hamas que se aproxima da cerca na fronteira. As autoridades israelenses consideram isso um direito legítimo de defesa, uma forma de prevenção contra atentados a bomba ou tentativas de sequestro de seus soldados.
Acredito que a intenção do Hamas seja ampliar a dimensão do conflito gradualmente, ansiando por uma nova trégua em seus próprios termos. Também creio que Israel previu essa possibilidade e não vai aceitar tal proposta. As autoridades do país estão determinadas em estabelecer as regras do jogo e, assim, lançaram a ofensiva contra o Hamas.

A questão fundamental é se o objetivo israelense é alcançável. Trata-se de uma questão de tempo e poderio militar. Quanto mais tempo durar a operação, maior será a pressão internacional para que Israel pare. Quando chegar a trégua provisória, ela terá que abordar as preocupações israelenses com respeito à segurança, que é uma realidade, mas também terá que incluir uma mudança total no tocante aos postos de fronteira de Gaza, para permitir que os palestinos possam ter estabilidade e oportunidades econômicas de verdade.

A ação militar israelense é legítima

O Artigo 51 da Carta da ONU reserva às nações o direito de agir em defesa própria contra ataques armados. Segundo o tratado, Israel age em legítima defesa ao atacar a Faixa de Gaza e evitar que o seu inimigo o agrida com seus foguetes. A única ressalva é quanto ao princípio de proporcionalidade bélica. Creio que sobre esse aspecto não seja necessário comentarmos a diferença desproporcional entre o exército judeu e suas poderosíssimas armas de destruição contra os fuzis e mísseis Qassam do Hamas.

Disparar projéteis de longo alcance contra áreas densamente povoadas é uma tática recente na guerra entre os terroristas, que gostam de causar a dor e proliferar a morte, e as democracias que prezam a vida. Impiedosos, aprenderam a atingir a moralidade da razão dentro do convívio social de seus inimigos, e os efeitos psicológicos que uma violência brutal pode causar nas democracias contra cidadãos que não querem matar civis, nem mesmo os civis inimigos.

Podemos dizer que o recado de Israel para o Hamas, logo após o ataque aéreo e a iminente invasão terrestre, é mais ou menos assim: se vocês pararem com seus crimes de guerra matando civis inocentes, nós suspenderemos todas as ações militares legítimas e deixaremos de matar seus terroristas. Basicamente isso.
Pouco antes do início das hostilidades, o governo israelense apresentou uma proposta ao Hamas em um tom meio que em forma de uma concessão e de aviso. Israel reabriu os postos de controle que haviam sido fechados depois que Gaza começou a lançar os Qassam para permitir a entrada da ajuda humanitária. Mas o ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, também fez uma última e dura advertência ao Hamas: se não parassem com os lançamentos de seus foguetes contra o território judeu, haveria uma resposta militar em escala total. Os foguetes do Hamas não pararam e Israel manteve sua palavra, deflagrando um ataque aéreo cuidadosamente preparado contra alvos do Hamas.

É bom que fique claro a real função de se manter um exército bem treinado e fortemente armado. Quando utilizada, essa poderosa máquina de guerra sempre será promotora de ações hostis contra o seu oponente, indiferente onde ele esteja.

Na Faixa de Gaza, região densamente povoada, ela não distinguirá quem são os seus reais agressores e quem são os inocentes. Não qualifica o cidadão civil ou o difere de um insurgente.

O Exército representa a fúria de uma espada e não a precisão de uma lâmina de bisturi. Mesmo que totalmente equipadas com os mais avançados rastreadores por satélite, as bombas israelenses destruirão um quarteirão para atingir apenas uma casa.

E mesmo que acerte o seu alvo, quem estiver ao seu lado também se tornará um. Nunca existirá a aniquilação isolada; isto não é uma simples implosão de uma construção abandonada.
Duas opiniões internacionais diferentes sobre a ação militar de Israel me chamaram a atenção. Pela perspectiva iraniana, que apóia o Hamas, os ataques do grupo contra civis israelenses são totalmente legítimos e os contra-ataques israelenses são crimes de guerra. As declarações da ONU, da Rússia e da União Européia, neste caso sobre Israel, consideram que existe uma absurda paridade moral e legítima entre os terroristas que atacam civis e uma democracia que responde alvejando terroristas, nem que para isso morram civis. Entre as duas respostas, a mais absurda não é a alegada pelo Irã e sim, a resposta das Nações Unidas, que coloca em igualdade o assassinato premeditado de civis e a legítima defesa. Essa falsa equivalência moral somente encoraja os terroristas a continuarem as suas ações contra a população de Israel.
Entre se defender e ter a opinião internacional contra, ou ver o antigo sonho de um Estado Judeu ruir, Israel preferiu provocar um novo holocausto na região. Talvez de menor projeção; por que a perseguição contra seus inimigos está apenas setorizada em Gaza e não creio que haja pretensões do governo israelense em voltar a atacar os outros países vizinhos. Isto até que não sejam violados em sua segurança interna. (CS)

Imagens creditadas a Yannis Behrakis / Reuters, Mohammed Salem / Reuters, Oded Balilty / AP, Eyad Baba / AP, Khaled Omar / AP, The Jerusalem Post / AP, The Jerusalem Post / AP, The Jerusalem Post / Reuters, Dan Balilty / AP, The Jerusalem Post / IDF, The Jerusalem Post / AP, Yaron Kaminsky / AP, Tara Todras-Whitehill / AP, Baz Ratner / Reuters, Jerry Lampen / Reuters, Mohammed Salem / Reuters, Gil Nahustan / Reuters, Sebastian Scheiner / AP, The Jerusalem Post / IDF, Mohammed Saber / Efe, Yannis Behrakis / Reuters, Nikola Solic / Reuters, Mohammed Salem / Reuters e The Jerusalem Post / Reuters, respectivamente.


O holocausto palestino

Uma coisa eu vos digo: condeno veementemente as ações de Israel e o uso desproporcional do seu poderio bélico, principalmente no tocante aos seus ataques com bombas e mísseis no solo palestino. O genocídio promovido contra civis inocentes e a forma indiferente como o Estado judeu mantêm o modus operandi de sua ofensiva, é explicitamente abominável.
Não sou a favor do terrorismo praticado pelo Hamas e muito menos apóio as atrocidades de Israel. As ações israelenses durante estes infinitos dias de luta é motivo para que nos aprofundemos um pouco mais sobre o que está realmente por trás da questão palestina.

Qual o real interesse pela Faixa de Gaza?

Você já parou para tentar entender o motivo real do conflito na Faixa de Gaza e porque Israel não aceitou, ainda, o pedido de trégua imposto pela ONU para acabar de vez com o martírio dos palestinos? Qual a sua opinião? Creio que as hipóteses poderiam ser várias, mas me fixarei em apenas algumas.
A população palestina está sitiada em uma região que desperta um grande interesse econômico; na verdade, uma área estrategicamente importante para a hegemonia, no Oriente Médio, de qualquer grande nação, tanto do Oriente quanto do Ocidente.
Sob o aspecto geopolítico, a Faixa de Gaza - por sua localização entre a Europa, África e Ásia, através do Mar Mediterrâneo - oferece enormes vantagens comerciais para os seus administradores, além de estar localizada em cima de bilhões de barris de petróleo. Posso afirmar que, para além das disputas culturais e religiosas, têm-se ainda os interesses das grandes potências mundiais pela região, agindo e interferindo nos assuntos regionais para garantirem seus interesses particulares.
Um outro problema é a ação de grupos mais radicais dentro dos partidos e das facções que apóiam as lideranças de Israel e do Hamas. Ambos, ao perceberem possíveis avanços no processo de paz, bloqueiam a continuidade do projeto, seja por questões religiosas ou por interesses de determinadas elites.
As intervenções externas também atrapalham o armistício. Representantes dos interesses internacionais pela região, países e organizações privadas - também chamadas de não-governamentais - atuam como mediadores entre os conflitantes, ocultando o real interesse de suas presenças dentro o processo de cessar-fogo. A participação de países que tratam a questão de forma parcial e tendenciosa, como os Estados Unidos que beneficiam apenas um dos lados - neste caso o Estado de Israel -, perpetua a continuidade de um problema que gera um sentimento de instabilidade em todo o planeta e acirra ainda mais os desentendimentos entre os combatentes.

Enquanto Israel destrói os túneis que servem para o contrabando de armas para o território palestino, seu aliado norteamericano o abastece com um novo carregamento de armas; fato, este, divulgado pela imprensa mundial.
Em uma época em que o Governo israelense está bombardeando a Faixa de Gaza na busca de enfraquecer o poder militar do Hamas, a concretização da venda de equipamentos militares ao país - em contraposto aos anseios de um cessar-fogo na região - é uma forma clara, e inoportuna, dos EUA oferecerem apoio aos judeus na luta contra o terrorismo fundamentalista.

A título de curiosidade, vale lembrarmos que foi o próprio governo israelense que ajudou no fortalecimento do grupo islâmico no território. Quando o Hamas foi fundado, em 1987, Israel estava mais preocupado com a existência física de Yasser Arafat na Cisjordânia e com o seu partido, o Fatah. Acredito que consideraram o surgimento de uma organização religiosa palestina como um antídoto a ser manipulado para minar o poder do Fatah e até mesmo aniquilá-lo, como ocorre nas guerras tribais no continente africano. Seria usar o veneno contra o próprio veneno, afim de que se aniquilassem e enfraquecessem o processo de resistência contra os desejos da maioria. Penso que ignoraram apenas um simples e lógico detalhe: o apelo antissemitista que vigora na região desde a fundação do Estado de Israel.
Os dirigentes judeus calcularam mal o projeto de manipulação do Hamas, considerando, talvez, que todos os fundamentalistas ficariam inertes apenas orando nas mesquitas. Sob essa ilusão, aplicaram diversas medidas contra o Fatah e ignoraram o novo inimigo que se instalava na sua porta.
Muitos moradores de Gaza consideram o Partido Fatah como fraco e corrupto, incompetente até mesmo para tratar de assuntos referentes à causa palestina com Israel. Alguns até consideram satisfatórios os ataques do Hamas revidando a opressão constante dos israelenses nas fronteiras. Esse apoio faz a facção extremista continuar os lançamentos de mísseis além das barreiras territoriais palestinas.

Claro que Israel foi muito provocado antes da deflagração dos ataques contra a Faixa de Gaza, mas isso não justifica o uso deliberado de suas ações. O direito de defender-se contra as agressões não o outorga para agir de qualquer forma. Se queria somente enfraquecer o poder armamentício do Hamas, bastava apenas atacar os túneis por onde passavam o contrabando e algumas estruturas físicas do grupo, sabidamente conhecidos por sua Agência de Inteligência.
Bombardear tais instalações teria sido uma forma plausível dentro do direito internacional de Defesa, previsto na Carta da ONU.

Uma abordagem ainda melhor seria afrouxar o cerco nas fronteiras, sendo mais favorável à ajuda humanitária a favor de uma população sofrida que espera a compaixão de uma liderança que realmente as ampare. Essa lacuna poderia muito bem ser preenchida por Israel, se houvesse o interesse político e social para isso.

Com a retirada israelense de suas tropas na Faixa de Gaza, em 2005, o controle temporário da região passou a sofrer uma forte influência do grupo extremista Hamas, que logo assumiu o controle das ruas de Gaza. Sob ameaças de amputação, de fuzilamentos ou de uma morte lenta e dolorosa aos seus opositores, os partidários do movimento islamita entenderam como uma ‘vitória’ a saída de Israel do território palestino.
Em 2007, ignorando os apelos do Fatah para que a paz fosse mantida durante o precário cessar-fogo com os judeus, o Hamas acabou por declarar guerra também ao partido de Mahmud Abbas, derrotando seus favoráveis em uma sangrenta batalha que durou uma semana e excluiu as lideranças do rival de todas as negociações sobre a Faixa de Gaza, limitando-os a uma inexpressiva atuação somente na Cisjordânia.
As intenções políticas do Hamas foram expressas em sua carta de fundação, que prevê a não aceitação de um Estado judeu e prega a sua total aniquilação. Os 36 artigos que regem o estatuto ainda ressaltam a instauração de um Estado teocrático islâmico na Palestina, o que favorece a atuação do fanatismo religioso de países como o Irã, a Síria e o Líbano.

A atual batalha não é somente entre os israelenses e os palestinos, mas conta ainda com a influência dos países fundamentalistas, seus aliados que usam o terrorismo como argumento prioritário para se expressarem e o mundo ocidental. Gaza é apenas o palco onde todos esses personagens se apresentam.
O conflito no Oriente Médio há muito deixou de ser um problema causado pela criação de um Estado Palestino na região, se é que realmente seja esse o interesse comum. Observo que o embate está mais próximo para uma prevenção contra a tomada do poder do território pelos radicais islâmicos.

Imagino como seria negociar qualquer acordo com governantes que afirmam ter uma ligação direta com Deus. O que Ele diria para ser feito contra o Grande Demônio ianque? A aniquilação total do inimigo através de uma explosão nuclear seria um castigo digno da mão de Deus?

A ocupação militar israelense durará até os últimos limites antes de uma intervenção da comunidade internacional, como ocorreu nos conflitos da Bósnia e da Chechênia. Até lá, Israel continuará no seu intuito de destruir todas as estruturas físicas do Hamas e manter enfraquecido o poder político na região. Todos os acordos para um cessar-fogo seguirão exatamente os interesses exclusivos do país e de seus aliados.

Financeiramente, quanto custa uma Guerra?


Segundo informações divulgadas por um boletim de conjuntura da Bolsa de Valores de Tel-Aviv, os custos com a guerra na Palestina já ultrapassaram a quantia de US$ 130 milhões. É avaliado o gasto diário de US$ 8 milhões apenas com as operações militares, ignorando-se as perdas indiretas, representadas pela interrupção da produção industrial, a redução da atividade do comércio e o inevitável colapso no turismo, o que acaba provocando o aumento da inflação e do desemprego aos contribuintes.
Conforme especialistas internacionais, “uma hora de vôo de caça em condições de ataque - somente o vôo, sem contabilizar bombas inteligentes e mísseis que podem custar até US$ 1,5 milhão - equivale a aproximadamente US$ 5 mil”. A estimativa é de que a aviação israelense tenha mobilizado cerca de 60 caças supersônicos F-16 e F-15D, responsáveis por cerca de 120 ações de combate.

Além dos aviões, devem ser considerados os 30 helicópteros Apache e Cobra que sobrevoam a região, encarregados de dar cobertura para as tropas no solo. Em terra, a ofensiva israelense conta com o deslocamento de tanques do modelo Merkava - pesando insuportáveis 65 toneladas de estrutura bélica -, e dos blindados usados para o transporte de tropas.

“Um tiro de munição especial de 120 mm perfurante está avaliado em pelo menos US$ 2,5 mil.”.
Em se tratando de material humano, o Exército de Israel é um dos mais bem treinados do mundo. Suas divisões podem ser equiparadas as do exército norteamericano, o que não considero apenas uma mera coincidência. Uma delas, a Unidade Sayeret Matkal, na qual serviu o ex-primeiro ministro Benjamin Netanyahu e seus dois irmãos, é descrita como uma equipe de aniquilação extremamente confiável.

Segundo relatos, seus membros fazem parte da elite do exército israelense e somente participam das missões mais importantes e decisivas que exijam um confronto corpo-a-corpo com o inimigo. Cada integrante passa aproximadamente dois anos, em média, em um rígido treinamento. A intenção é que todos os soldados se reconheçam até mesmo no escuro, pelos movimentos da sombra e até mesmo pelo cheiro. O preparatório é um dos requisitos para que o grupo seja mortífero e infalível quando solicitado para entrar em combate.

As técnicas ministradas aos futuros Exterminadores, análogas ao estilo ninjtsu, vão desde o ensinamento de práticas marciais, de navegação e de reconhecimento territorial, além de técnicas de camuflagem, de sabotagem, contra-terrorismo e o aprendizado do uso de armas leves e de tiro de precisão. Seus atributos os garantem por um tempo indeterminado sobre solo hostil, o que é uma enorme vantagem em se tratando de deslocamento de tropas.
Claro que os custos com um ‘material’ tão bem qualificado possuem um valor expressivo: treino, manutenção e equipamentos não saem por menos de US$ 250 mil ao ano.

Os Sayeret e as outras unidades de elite do mortífero exército judeu são infinitamente superiores aos combatentes que os enfrentam pelas ruas das cidades palestinas. Para eles, o conflito será apenas uma aula prática para se colocar em uso os ensinamentos adquiridos durante o treinamento militar.

Quem são os combatentes palestinos?


Ao tomar por terra o território de Gaza, o exército israelense tem como missão prender ou matar os milicianos do Hamas, cujo alguns membros mais experientes são exímios em combates urbanos. Esses poucos guerrilheiros serão adversários a altura para as unidades especializadas, deslocadas por Israel para vencer a oposição miliciana.

Acontece que o espírito de luta do povo palestino agrega um sentimentalismo que os invoca à própria morte, o que, analisando sob o contexto da opressão em que vivem, acaba se tornando um grande mérito para a sua condição quanto homem e forçosamente quanto mártir.

Assim surgem as milícias Falahim, formadas por garotos novatos que, motivados pela insurgência, enfrentam o exército invasor sem nenhuma experiência em combates. A maioria é morta nos primeiros enfrentamentos contra os israelenses. Sobre este assunto, desejo expressar o meu ponto de vista.
Considero este fato outro grande erro de estratégia do Governo de Israel. Se realmente estivessem interessados em promover o bem social aos palestinos deveriam investir na busca destes corações que, ainda jovens, provavelmente mudariam de opinião sobre a hostilidade a outros povos apenas por pequenos acalantos, como a oportunidade de trabalharem, constituírem família, serem respeitados.
A abertura das fronteiras tanto para Tel-Aviv quanto para o Cairo, mesmo que rigorosamente inspecionadas, promoveria a oportunidade de uma esperança para que estes jovens pudessem sentir gratidão por alguém que está, pelo menos, tentando proporcionar-lhes um futuro um pouco melhor daquele já conhecido. Atacá-los de nada adiantará.

É justamente diante dessa massa de militantes, entre 14 e 25 anos, que o Governo judeu é mais falho. Não há nenhuma iniciativa para demonstrar que o inimigo não é ele; nada que os explique que o terrorismo extremista praticado por membros do Hamas, e o de outros grupos que não aceitam a existência de Israel no Oriente Médio, é que trazem a guerra para suas vidas. Não fazem nada para provar-lhes que pode, sim, existir condições melhores para se viver em Gaza!
Bombardear e matar civis inocentes não ajudará em nada as pretensões israelenses sobre um cessar-fogo definitivo na Faixa de Gaza. A revolta destes garotos está cravada desde a própria infância, com a destruição de suas casas e a morte de seus entes mais queridos.

Segundo fontes médicas que atuam em Gaza, metade dos palestinos mortos nos últimos confrontos são civis. Mesmo assim, Israel se recusa a suspender sua ofensiva contra o Hamas, ignorando um apelo explícito do Conselho de Segurança da ONU para um cessar-fogo imediato e mantendo-se indiferente à opinião pública mundial.
A resolução que foi assinada por 14 dos 15 países membros do Conselho da ONU - adivinhem quem que votou contra o armistício? - pede “um cessar-fogo imediato, duradouro e plenamente respeitado, que leve à retirada completa das forças israelenses de Gaza”.

O documento condena qualquer violência e hostilidade contra civis ou qualquer ato de terrorismo, sem designar explicitamente os tiros de foguetes do Hamas. A Carta pede ainda a liberação e o fornecimento, sem grandes obstruções, de ajuda humanitária para a população de Gaza.

As atrocidades da guerra cometidas por Israel

Segundo fontes israelenses entrevistadas pela agência de notícias EFE, o exército judeu tem atuado com bastante dureza a fim de evitar o aumento no número de baixas entre seus soldados, como ocorreu no conflito com o Hezbollah em 2006.
De acordo com os relatos, as dúvidas quanto aos critérios de revide são bem claras: quando existe alguma suspeita que um insurgente palestino esteja escondido em uma casa, a ordem recebida pelos soldados é lançar um míssil ou abrir fogo com os tanques.

A medida, segundo a mesma fonte, seria evitar um possível confronto direto entre os soldados israelenses e os combatentes palestinos.
Tais ações levam a erros irreversíveis, muitas vezes em comunhão com a certeza de que a ação é ilegítima por não haverem provas físicas da permanência de milicianos nas dependências de tais edificações, como ocorreu durante os ataques a Universidade Islâmica, às mesquitas nas cidades conquistadas e contra duas escolas palestinas administradas pela ONU.

Segundo as Nações Unidas, as escolas estavam claramente identificadas como sendo edifícios neutros e sob a sua jurisdição, incluindo o hasteamento visível da bandeira da ONU no local. Conforme afirmam seus secretários, o Alto Comando do Exército de Israel sabia da localização exata dos prédios, assim como de todas as instalações do órgão na Faixa de Gaza. As dependências eram utilizadas para abrigar os refugiados palestinos que se escondiam dos bombardeios que ocorrem em outros bairros da cidade.

Se não bastassem os ataques com bombas e mísseis teleguiados contra uma população acuada, uma gravíssima denúncia feita por entidades internacionais remete à guerra suja. Organizações humanitárias que prestam socorro às vítimas dos confrontos afirmam o uso, por Israel, de um produto extremamente tóxico conhecido como fósforo branco. A substância é capaz de provocar queimaduras graves e é normalmente encontrada dentro de bombas que proporcionam uma cortina de fumaça. Aproximadamente 150 pessoas foram atingidas pela arma. Tais artifícios são proibidos, de acordo com convenções internacionais que tratam sobre assuntos de guerra.
A NORWAC, uma organização humanitária pró-palestinos, especula que Israel esteja utilizando o conflito contra o Hamas para testar novas armas de impacto rápido. Dois de seus médicos que prestavam socorro no Hospital Shifa, localizado na cidade de Gaza, doutores Eric Fosse e Mads Gilbert, relataram que vários corpos estavam totalmente dilacerados. Afirmaram que há totais evidências que tenham sido vítimas de um tipo experimental de explosivo conhecido por Explosivos de Metal Inerte Denso, representado pela sigla DIME, em inglês. “Essa é uma nova geração de pequenos explosivos bastante poderosos, que detonam com uma energia extrema e dissipam seu poder em uma área de cinco a dez metros”, disse Gilbert.
Segundo o médico, o ferimento dessa nova arma é bastante diferente do causado por um projétil convencional. “Nós não vimos vítimas diretamente afetadas pela bomba porque elas normalmente ficam em pedaços e não sobrevivem, mas vimos uma série de amputações brutais (...) sem ferimentos de metralhadora ou qualquer outro tipo de perfuração. Suspeitamos fortemente que isso deva ter sido causado pelo DIME”, afirmou o médico.
O Governo israelense nega todas as acusações dos serviços humanitários que prestam socorro às vítimas do conflito no território árabe-palestino.

A alta comissária para direitos humanos das Nações Unidas, Navi Pillay, afirmou ao jornal britânico The Guardian que Israel está conscientemente agindo contra os princípios morais que regem as regras sobre o tratamento físico que deve ser proporcionado em favor da população dos países em conflitos, principalmente no que se refere às normas de conduta sobre o solo invadido pela força de ocupação estrangeira.

Pillay, ex-juíza do Tribunal Penal Internacional, menciona o incidente que provocou a morte de 30 palestinos na cidade de Zeitoun, no sudeste de Gaza. De acordo com os depoimentos dos sobreviventes citados em seu relatório, militares israelenses ordenaram que cerca de 110 civis se abrigassem em uma casa para evitarem serem alvos dos bombardeios.

24 horas após a solicitação, o local foi atingido por três projéteis lançados pela ofensiva judia. Cerca de metade dos refugiados que se escondiam naquele local eram crianças.
Sobre o socorro médico, além da comissária da ONU, também o Comitê Internacional da Cruz Vermelha emitiu um comunicado onde afirma que os militares israelenses “estão impossibilitando o atendimento aos feridos e até mesmo o resgate dos corpos nas áreas ocupadas”.
Como previsto, o Governo negou novamente tais informações, dizendo-se perseguido e extremamente prejudicado com a imagem divulgada de Israel para o mundo através dos meios de comunicação e sobre a crise no Oriente Médio, através dos relatórios produzidos pelos agentes observadores.

A população infantil é a mais atacada

Não consigo imaginar ou até mesmo tentar descrever a sensação de ser uma criança palestina em meio ao caos da guerra entre o Hamas e Israel. Sinto apenas um forte sentimento de medo e insegurança diante da impotência contra o ataque incendiário das bombas israelenses. Creio que o mais difícil seja a percepção de que nenhum local é seguro e de que os adultos não possam protegê-las.
As crianças formam mais da metade da população de cerca de 1,5 milhões de habitantes que perambulam pela Faixa de Gaza e representam pouco mais de um terço dos mortos vitimados pela ofensiva até o momento. Como estamos falando de uma guerra travada em áreas urbanas, a probabilidade de serem atingidas é alta.

A densidade populacional é tão grande que não se tem para onde ir, mesmo porque este é um conflito único, extensivo para todo o território, o que impossibilita um refúgio seguro em qualquer lugar que você esteja. Sucessivas gerações de crianças cresceram neste cenário de perdas, violência e morte.

A Anistia Internacional acusou os soldados israelenses e os combatentes milicianos do Hamas de colocarem em risco a vida da população civil com práticas nas quais se inclui o uso de cidadãos como escudos humanos. Tomadas de assalto, várias residências palestinas estão sendo usadas como bunkers tanto pelo Hamas quanto pelo exército judeu.

Famílias são obrigadas a se confinarem em um quarto enquanto o resto do imóvel é utilizado para práticas militares e de posicionamento estratégico para francoatiradores. A entidade afirma que as Forças Armadas israelenses bombardeiam casas e edifícios não militares sob a alegação de que nelas se escondem combatentes que disparam contra alvos em Israel.
É claro que o exército judeu possui informações e treinamento bem avançado para diferenciar as várias situações hostis que possam envolvê-lo. Deduzo que saibam também que, geralmente, os insurgentes palestinos costumam abandonar a zona conflituosa após terem disparados seus mísseis e que os ataques em retaliação contra estas moradias causarão danos apenas aos civis, e não aos combatentes. A aplicação dessas levianas táticas no território palestino, por ambas as partes envolvidas, evidencia a total falta de respeito pela proteção dos direitos civis diante de um conflito armado.

O que define uma pessoa para ser considerada um civil?


Afirmo que uma criança ferida por disparos de armas de fogo, ou vítimas das explosões causadas pelos ataques aéreos, deva ser considerada um civil. Não posso aceitar, com a mesma veemência, que essa mesma qualificação seja dada sobre o infortúnio de um homem morto quando lançava foguetes contra seus agressores.
Mas, e os cerca de 40 jovens recrutas da polícia palestina que foram abatidos nas primeiras horas do bombardeio a Gaza? Eram todos jovens adolescentes que estavam ali para defenderem a sua terra natal contra a invasão sionista. Eram civis que se tornaram militares há apenas algumas horas antes de morrerem como insurgentes.

Com o aumento assustador do número de mortos até agora no conflito, surge a delicada diferenciação de quem e o quê pode ser considerado um alvo militar legítimo em um território dominado por um grupo que muitos na comunidade internacional consideram uma organização terrorista. Um grupo que venceu as eleições administrativas palestinas em janeiro de 2006 e, no ano seguinte, consolidou o seu controle no território à força. Este mesmo movimento que causa o terror em Israel é responsável por escolas, hospitais e usinas de energia elétrica na Faixa de Gaza.
Segundo as leis internacionais, a determinação do que é civil, ou o que é ser um civil, deva ser comparativo à estrutura física do local ou às ações dessa pessoa, ou melhor, defini-las como “combatentes” e “não-combatentes”.

Ao lançar a sua ofensiva sobre os palestinos, o primeiro-ministro Ehud Olmert disse: “Vocês, os cidadãos da Faixa de Gaza, não são nossos inimigos. Hamas, Jihad e as outras organizações terroristas são os seus inimigos, assim como são nossos inimigos”. Poderia até ter sido uma forma de tranqüilizar o povo palestino sobre as ações que Israel executaria no território porém, quando um porta-voz militar israelense diz: “Qualquer um afiliado ao Hamas é um alvo legítimo!”, a distinção que será usada pelo Exército é totalmente contrária ao pronunciamento do ministro.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, baluarte das Convenções de Genebra que evocam as leis que rogam pelo humanitarismo internacional e onde estão fundamentadas, define o termo ‘combatente’ como a pessoa “diretamente engajada em hostilidades”.
Mas o porta-voz das Forças de Defesa Israelenses - em inglês, IDF - Benjamin Rutland, em recente entrevista à Rede BBC, de Londres, disse: “Nossa definição é que qualquer um que esteja envolvido com terrorismo dentro do Hamas é um alvo válido. Isso inclui instituições estritamente militares e outras, políticas, que fornecem apoio logístico e recursos humanos para o braço terrorista”.
Penso que, uma vez que você amplia a definição de combatente como a IDF aparentemente está fazendo, incluindo indivíduos que só estão envolvidos de maneira indireta ou periférica, dá-se o tom definitivo de como o exército israelense agirá na região.

A pena capital dar-se-á a todos aqueles que, ao terem identificados o semblante, serão pré-julgados sumariamente e sentenciados à morte ou não!
O Hamas também pensa assim. Na verdade, a diferenciação entre combatente e civil para eles é nula: o fato de que a maioria dos israelenses prestarem serviço militar justifica qualquer forma de ataque a áreas civis.
O serviço de inteligência da IDF diz que tem informações confiáveis sobre a participação de membros da força policial palestina em esquadrões de foguetes. Segundo as fontes da Agência, os militares fazem “bico” para o Hamas.
Conforme o grupo Human Rights Watch (HWR), apesar da afirmação de Israel ser verdadeira, e mesmo que integrantes da polícia sirvam como combatentes do Hamas, eles só poderiam ser atacados legalmente quando estivessem participando de atividades militares. Fator totalmente ignorado pelo exército israelense.

Os primeiros bombardeios tiveram como alvo várias delegacias na Faixa de Gaza, dentre eles, o ataque que matou pelo menos 40 recrutas em uma delas. Analistas afirmam que a atuação da polícia - órgão público sob controle político do Hamas - no território palestino limita-se à repressão aos dissidentes e a remoção de espiões, assim como lidar com a criminalidade e organizar o trânsito local.

O que diz a Convenção de Genebra

O protocolo da Convenção de Genebra citado por Israel - embora o país não o tenha assinado - diz que, para ser um alvo militar legítimo, um local tem que “dar uma contribuição efetiva à ação militar” e sua destruição ou neutralização também tem que oferecer “uma vantagem militar definitiva”.

Israel disse que bombardeou mesquitas porque elas eram utilizadas para armazenarem armas, divulgando um vídeo dos ataques aéreos e mostrando as explosões secundárias como prova da existência e da destruição de armamentos escondidos no local. Mas (...) uma bomba pode ser capaz de provocar várias explosões, indiferente de outros fatores. Baseio minha dúvida sobre essa informação do Governo pelas fotografias que vejo pela internet das quais algumas estão publicadas nesta página.
Questiono quais foram as evidências que o fizeram a atacar os laboratórios da Universidade Islâmica com pesados bombardeios. Alegariam, hipoteticamente, que ali se fabricavam armas químicas ou de destruição em massa? Talvez essa desculpa já utilizada pelo seu aliado não soaria tão bem ao mundo!

Ao atingir os Ministérios de Educação, Interior e Exterior e o prédio do Parlamento, Israel cinicamente argumentou que eles fazem parte da infraestrutura do Hamas, não havendo uma diferença entre suas alas políticas e as militares. A alegação de que todos estes órgãos são alvos legítimos apenas porque estão sob a jurisdição do Hamas é legalmente falho, absurdo e extremamente problemático. Pateticamente, a culpa é somente da alvenaria. Destrói-se o prédio que acaba o problema. Simples e arcaico.
Quanto ao artigo que trata sobre a proporcionalidade, o conceito determina que “ganhos militares de uma determinada operação devem ser proporcionais às prováveis baixas entre civis ocorridas durante sua implementação”.
Questões de proporcionalidade resultam tanto da intenção quanto do número de pessoas mortas e feridas. Suponhamos um exemplo não tão difícil de ter ocorrido em Gaza nos últimos dias: ao atacar uma mesquita localizada em uma área urbana e bastante povoada, Israel tivesse a intenção de destruir um suposto paiol de armas.

Nos arredores do templo estariam aproximadamente 30 pessoas, entre crianças, jovens e adultos.

Uma bomba é lançada e, certeira, atinge o local. 18 pessoas morrem e o restante delas ficaram gravemente feridas. O intuito inicial foi cumprido e a mesquita foi totalmente destruída!

Mas, qual era a margem de probabilidade de que, no momento da decisão, a informação fosse constatada inverídica? Os ganhos potenciais superariam as possíveis perdas humanas?

No caso de Israel, o que é proporcional para uma pessoa pode ser totalmente desproporcional para outras. A autorização de um ataque aéreo sobre possíveis alvos combatentes, ou não, está levando em consideração a desproporcionalidade até mesmo de defesa de milhares de palestinos que não têm ao menos onde se abrigarem ou se esconder. (CS)

Imagens creditadas a Bernat Armangue / AP, The Jerusalem Post / IDF, Mohammed Saber / EFE, Bernat Armangue / AP, The Jerusalem Post / AP, Pavel Wolberg / Efe, The Jerusalem Post / AP, The Jerusalem Post / AP, Ismail Zaydah / Reuters, Olivier Hoslet / Efe, Matan Hakimi / Efe, Amir Cohen / Reuters, Sebastian Scheiner / AP, The Jerusalem Post / AP, Yannis Behrakis / Reuters, Nayef Hashlamoun / Reuters, The Jerusalem Post / France Press, Mohammed Salem / Reuters, Fadi Adwan / AP, Suhaib Salem / Reuters, The Jerusalem Post / AP, Baz Ratner / Reuters, Khalil Hamra / AP, Suhaib Salem / Reuters, Ismail Zaydah / Reuters, The Jerusalem Post / AP, The Jerusalem Post / AP, Mohammed Saber / EFE, Eyad Baba / AP, Hatem Omar / AP, Ali Ali / Efe, Ashraf Amra / AP, Fadi Adwan / AP, Khalil Hamra / AP, Wissam Nassar / Xinhua, Ibraheem Abu M / Reuters, Yannis Behrakis / Reuters, Jerry Lampen / Reuters, The Jerusalem Post / AP, Ismail Zaydah / Reuters, Ali Ali / Efe e Fadi Adwan / AP, respectivamente.


Epílogo

Confesso a vocês que a elaboração deste documentário alterou não somente a minha rotina, mas também a minha vida. A cada informação que continuamente se apresentava a mim e a cada triste imagem que me feria, mais contemporizava a minha insignificância quanto ser humano e quanto jornalista. A típica arrogância de querer mudar algo que ‘civilizadamente’ nos agride - já que civilidade responde também ao respeito e a cordialidade ao próximo -, e a certeza de que as minhas palavras não fazem (e nem fizeram) diferença alguma para o término temporário deste conflito, me relega como apenas mais um que, insuficientemente ecoado para atingir tal quimera, apenas observa e agoniza em solidariedade.
Vi a imagem de minha alma refletida no caos palestino, transmutada na aflição do que é ser pai e solidária ao desespero de todos aqueles que perderam os seus filhos durante esse terrível capítulo de nossa infame história.
Mas é necessário continuarmos, pois assim tristemente caminha a humanidade. Buscar a informação e a verdade, além de propor uma conscientização sobre a prática de valores morais e sociais, são atributos da profissão que escolhi e da qual devo minha lealdade aos seus princípios, por mais difícil que seja contemplá-los.
“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é!” (Caetano Veloso em Dom de Iludir).

A trégua

Na última segunda-feira, 19, Israel comunicou um cessar-fogo temporário na região, retirando o seu efetivo militar do território palestino e prontificando-o somente nas fronteiras israelenses.

Os ataques à Faixa de Gaza, iniciados em 27 de dezembro, mataram aproximadamente 1.300 palestinos, incluindo 410 crianças e cerca de 100 mulheres. Outras 5.300 pessoas foram feridas, dentre as quais 1.855 são crianças e 795 são mulheres, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde palestino.

Levemos em consideração que o número de mortos pode aumentar, pois existem muitos feridos em estado grave, ou gravíssimo, nos hospitais e nos postos de saúde instalados nas áreas mais atingidas. Autoridades médicas de Gaza informaram que pelo menos 700 mortos são civis, ou seja, não poderiam ser qualificados como combatentes ou paramilitares.

Esses dados, se confrontados com as baixas israelenses - dez soldados e quatro civis atingidos por foguetes -, são infimamente incomparáveis para contrabalancear com o massacre palestino. O Escritório Central Palestino de Estatísticas informou que probabilidades apontam que 4.100 residências foram totalmente destruídas e aproximadamente outras 17 mil foram danificadas na ofensiva. O Escritório divulgou, também, que os custos com a reconstrução de Gaza chegarão a quase 2 bilhões de dólares.

Após declararem uma trégua separadamente, Israel e Hamas apenas retardaram uma nova batalha. É óbvio que uma guerra custa muito dinheiro aos contribuintes judeus e o Hamas, além de necessitar se rearmar militarmente, sabia que o Governo israelense, cedo ou tarde, sucumbiria às pressões internacionais e financeiras causadas pelo conflito.

Com o armistício, as autoridades israelenses abriram três postos de controle nas fronteiras, permitindo que produtos básicos de alimentação, higiene e medicamentos entrassem no território. Conforme divulgado pela imprensa internacional, o rei Abdullah, da Arábia Saudita, anunciou que seu país doará 1 bilhão de dólares para que possam ser realizadas obras emergenciais na Faixa de Gaza.
Durante estes terríveis 22 dias de combates sobre o solo palestino, muitas atrocidades - e talvez crimes de guerra - foram cometidas por Israel sob o signo de uma legítima ação de defesa, conforme embasado pela Carta da ONU no tocante à proteção territorial de um país.

O Estado judeu, utilizando-se dessa justificativa, atacou a população palestina com bombas, mísseis, tanques, soldados e, conforme denúncias de órgãos internacionais de ajuda humanitária, com armas proibidas para o uso militar.

Caso se confirme as acusações do uso de elementos químicos ou ilegais, as atitudes de Israel podem ser taxadas como ações plausíveis das mesmas regras sancionais nas quais se embasou para atacar a Palestina.

Para o Hamas, a retirada das tropas de Israel da Faixa de Gaza foi celebrada como uma grande vitória da insurgência, indiferentemente das baixas civis e da destruição quase aleatória de casas, mesquitas e de edifícios governamentais. O objetivo ideológico do grupo extremista havia sido alcançado: causar a comoção mundial através do sofrimento físico de inocentes e fomentar o sentimento antissemitista e antiamericanista em todo o planeta.

Bastou-lhes manter a resistência contra a invasão semita durante três semanas para que a opinião pública internacional se manifestasse contrária aos ataques, através de vários protestos pelas principais cidades do mundo.

O líder do grupo islâmico, Khaled Meshaal, em pronunciamento transmitido pela rede de TV Al-Jazeera logo após o cessar-fogo, disse que "o inimigo fracassou em alcançar seus objetivos, no campo de batalha e na política". O chefe do escritório político do Hamas, exilado em Damasco, na Síria, explicou que o fato de Israel interromper sua ofensiva de três semanas sem impor condições, além da exigência da suspensão do lançamento de mísseis contra o seu território, é uma vitória para a resistência palestina.

Além disso, o líder extremista declarou que o Governo israelense fracassou também no campo político, porque tentou, antes de atacar a Faixa de Gaza, convencer o Hamas por meio da diplomacia a deixar as armas e aceitar uma trégua permanente, o que, obviamente, foi recusado pelo grupo palestino. Segundo Meshaal, “a batalha de Gaza é um ponto de partida com o inimigo e fixa as bases para uma estratégia séria para libertar os territórios, começando pela Palestina e continuando no resto da nação”. Também considerou que os ‘massacres’ cometidos em Gaza foram tentativas do inimigo de cobrir seu fracasso contra a resistência. “Esta foi a primeira guerra grande e verdadeira que os palestinos vencem em seu próprio território”, concluiu.

Pelo lado israelense, as declarações do primeiro-ministro Ehud Olmert afirmando que a ofensiva havia alcançado os seus ‘objetivos’, causou-me a mesma repulsa que senti sobre o pronunciamento do líder guerrilheiro.

Mais ainda o comunicado da chanceler Tzipi Livni, no qual afirma que as mortes de civis palestinos foram ‘frutos das circunstâncias’. “Tivemos que realizar esta operação. Estou em paz com o fato de o termos feito”, disse à Rádio Israel. Sobre a digníssima senhora, desejo informar-lhes que ela é candidata à primeira-ministra na eleição de 10 de fevereiro e considerada uma articuladora de extrema confiança do seu partido.

A sua firme postura diante de lideranças mundiais que exigiam o fim das ações de Israel e a forma como representou o país perante o Conselho de Segurança da ONU, a credenciam como uma fortíssima candidata à cadeira ministerial. Posso declarar que a linha dura e opressora permanecerá à frente das atitudes de Israel caso uma possível aprovação do nome de tão significativa dama ao Ministério do país.

Os alvos civis dos ataques e as justificativas de Israel


Israel iniciou a ofensiva prometendo alterações significativas na região, ressaltando que promoveria “mudanças na realidade” nas cidades do sul do país que, desde 2001, sofrem com as constantes ameaças de ataques aéreos vindas da fronteira. Tais medidas teriam o intuito de impedir o contrabando de armas através dos túneis construídos sob a divisa de Gaza com o Egito, cujo tráfico também é combatido pelas autoridades locais, e o lançamento de foguetes pelos militantes do Hamas.

Para isso, atacou uma pequena porção de terra que separa o enclave costeiro do Egito, conhecido por Corredor Filadélfia e partes da cidade de Rafah.

Além de pesados bombardeios, Israel utilizou escavadeiras e sonares para eliminar os túneis que não foram destruídos pelos ataques aéreos. Estima-se que centenas de passagens secretas tenham sido desativadas, assim como outras centenas permanecem intactas.

Capturar o Filadélfia, de 14 quilômetros de extensão, foi uma conquista estratégica e essencial para as negociações que viriam a ocorrer sobre o encerramento da crise na Palestina. Como previsto, Israel exigiu mais empenho nas garantias de segurança por parte do Egito - e das potências ocidentais - em relação ao Hamas, para que o grupo islâmico não se rearme ou volte a construir os túneis fronteiriços. Várias casas no Corredor foram bombardeadas sob a afirmação de que abrigavam entradas secretas para túneis que cruzavam a fronteira egípcia.

Apesar de a área ser pequena e aparentemente fácil de ser dominada, ela é, sob uma perspectiva militar, ‘um terreno hostil de estradas cruzadas’, dividido entre três nações seculares e em uma área de solo arenoso, o que dificulta a locomoção rápida das tropas por terra.

Segundo os ensinamentos do mitológico general chinês Sun Tzu, “quando o seu exército penetra em um território hostil, mas não a grande distância, o local é um terreno fácil de ser conquistado. A área que é chave para três estados contíguos, de forma que o primeiro a ocupá-la tenha a maior parte do império sob suas ordens, chama-se terreno de estradas cruzadas. Em terreno fácil e onde há estradas cruzadas, não se estabeleça por muito tempo e consolide alianças”.

Considerando a geografia e o solo - a passagem arenosa do Filadélfia se estreita significantemente em algumas áreas possibilitando que as tropas terrestres de Israel fiquem expostas aos ataques com foguetes e emboscadas -, a ocupação prolongada é um erro estratégico reconhecidamente crítico.

Este foi um dos motivos que levou o país a abandonar o Corredor quando retirou suas tropas e colonos da Faixa de Gaza em 2005.
“Florestas montanhosas, precipícios escarpados, charcos e pântanos e todas as regiões trabalhosas de atravessar, são um terreno difícil.

Em um terreno difícil, marche sempre”
, ensinava o grande general.
Além da área fronteiriça com o Egito, principalmente na região da cidade de Rafah, o bombardeio israelense também teve como ‘objetivo’ eliminar alvos aparentemente insuspeitos de possíveis colaboradores ao Hamas.

Alegando um lastimável infortúnio e aparente sensibilização com a morte dos civis que se encontravam no local, Israel destruiu um colégio repleto de refugiados sob a jurisdição das Nações Unidas,

um prédio onde eram estocados alimentos e remédios recebidos como ajuda humanitária, também da ONU, um hospital e um complexo de edifícios utilizados pela mídia em Gaza.

Pelo menos 40 palestinos morreram durante o bombardeio que atingiu o colégio da ONU em Gaza.

Entre os mortos estavam uma mulher e seu filho, que se abrigavam no local oferecido como socorro aos refugiados pela UNRWA, em Beit Lahia, no norte da Faixa de Gaza.

Segundo informações da agência das Nações Unidas, no momento do ataque, várias pessoas buscavam abrigo na escola devido à ofensiva militar israelense.

Muitas das vítimas eram crianças que tinham sido levadas para o local por ser considerado um abrigo seguro, protegido pela ONU e que não seria alvo dos ataques.

A rádio pública de Israel informou que nas proximidades do colégio foram registrados enfrentamentos entre o exército judeu e milicianos palestinos. No boletim diário que o órgão militar israelense divulga, relatou-se que foram atacadas três instalações do Hamas, seis áreas tomadas por minas e duas mesquitas usadas para disparar contra as forças de ocupação no centro e no norte da Faixa de Gaza, sem mencionar diretamente os ataques à instituição escolar.

A chanceler Tzipi Livni lamentou as mortes, reafirmando que a culpa da retaliação era do Hamas que, segundo o ponto de vista judeu, usava civis como escudo humano. "Infelizmente, militantes do Hamas escondem-se entre os civis e Israel tem buscado evitar a morte de inocentes”, declarou.

A Organização das Nações Unidas condenou o ataque, informando que havia previamente fornecido para o Exército israelense as coordenadas geográficas exatas da escola, onde aproximadamente 350 pessoas estavam abrigadas.

Segundo a nota divulgada, cerca de 15 mil palestinos buscaram refúgio nas 23 instituições escolares da entidade em Gaza. Informações dão conta que outra escola da ONU também havia sido atacada horas antes, matando três pessoas.

Um relatório militar divulgado posteriormente por Israel informou que ‘um erro de mira’ foi o culpado pelo ataque à escola. Segundo a nota, soldados israelenses estavam sob fogo cruzado e atiravam em direção a insurgentes do Hamas que se escondiam perto do colégio.

A investigação apontou que as tropas judias lançaram três bombas sobre alguns militantes do Hamas que haviam acabado de lançar um foguete.
Duas das bombas atingiram seus alvos, mas uma errou o percurso por cerca de 30 metros e atingiu a instituição da ONU. E olhem que o Exército judeu é um dos mais bem treinados do mundo!

Com a proibição do acesso de jornalistas a Gaza por Israel e pelo Egito, a maior parte das imagens sobre o conflito eram divulgadas pela imprensa através da TV Al-Jazeera, do Catar, e da TV Al-Aqsa, ligada ao Hamas. A propósito, para diminuir as informações constantes sobre os ataques e o desenrolar dos acontecimentos em Gaza, o Exército judeu bombardeou um complexo de mídias árabes e ocidentais que funcionava no edifício Al Shuroug Tower, no centro da Cidade de Gaza. O núcleo abriga vários profissionais da imprensa internacional, entre elas as TVs Fox, Sky News e RTL, além da agência de notícias Reuters e as árabes Al Arabia e MBC.
Conforme a Reuters, “a bomba atingiu o imóvel na altura do 13º andar, onde funciona uma produtora de TV”. A agência londrina possui um escritório no 12º andar. Dois cinegrafistas palestinos que trabalham para a rede de televisão ficaram feridos, mas o estado de saúde de ambos, ou mesmo se ocorreram vítimas fatais nos ataques, não foi divulgado.
A empresa informou, ainda, que um porta-voz do Exército israelense entrou em contato com o escritório pouco antes do ataque para confirmar a localização exata da equipe em Gaza, recebendo a garantia de que não era um alvo. O Governo de Israel não se pronunciou sobre o ataque.

O Hospital do Crescente Vermelho - uma versão oriental da Cruz Vermelha -, no bairro de Tel Hawa, também foi atingido pela ofensiva judia. Segundo a Al-Jazeera, a farmácia do hospital e o segundo andar do edifício foram os locais mais danificados, inclusive com a destruição quase total do pavimento pelas chamas.

Conforme relatos, projéteis lançados por soldados israelenses atingiram o prédio no início da manhã, causando um pânico ainda maior entre os feridos que ali se encontravam. Muitos deles estavam em tratamento intensivo devido a amputações sofridas por ataques anteriores. Não foram confirmadas um número exato de vítimas e nem se havia a possibilidade do prédio vir a ruir. A Al-Jazeera informou que cerca de 500 pessoas, incluindo médicos e doentes, estavam no hospital no momento dos bombardeios.

Se não bastasse toda essa sacanagem, o Exército de Israel, mais uma vez ‘desavisado’ da localização de alvos civis e diplomáticos, bombardeou a sede da UNRWA - a agência da ONU para refugiados palestinos - na Cidade de Gaza.

Todas as cargas de ajuda humanitária recebidas durante a abertura parcial das fronteiras, ocorridas diariamente pelo período de três horas, foram destruídas.

O porta-voz da agência, Richard Gunnes, afirmou que o edifício foi atingido por três tiros disparados por tanques, e imediatamente, pegou fogo. Entre os funcionários da ONU, ao menos três ficaram feridos. Gunnes acredita que o prédio tenha sido alvo de projéteis contendo fósforo branco, o que justificaria a imediata combustão do armazém.

A substância tem o seu uso proibido em regiões habitadas ou em ataques diretos contra pessoas, conforme acordado pelas Convenções, justamente por causar queimaduras severas e problemas respiratórios à população.
O ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, apenas afirmou que o ataque ao edifício da UNRWA foi um “grave erro”. Na verdade, outro grave erro de pontaria!

Quanto à comida incinerada durante o atentado a ONU, esta já era insuficiente para matar a fome da população. Muitos refugiados não conseguem adquirir as doações que, muitas vezes, se resume a fubá, pão e água.

A situação é muito precária quanto à distribuição de alimentos pelos voluntários internacionais que trabalham no território. Falta, além de uma melhor infraestrutura para acomodar as reservas, o consentimento de Israel e a sua benevolência para a abertura das fronteiras, mesmo que parcialmente, para a entrada de mais ajuda humanitária. Não preciso nem dizer quem sofre mais com a desnutrição causada pela má alimentação.

Crianças passam até quatro horas em uma fila para conseguir oito pãezinhos doados pela entidades assistencialistas, mas agentes humanitários internacionais dizem que grande parte da população palestina enfrenta uma grave escassez de alimentos. Muitos mercados estão vazios e as mercearias no populoso bairro de Al-Nasser, no centro da Cidade de Gaza, tinham apenas limões e cebolas para vender, como relatou um comerciante por telefone à Al-Jazeera durante os ataques. Carne, frango, legumes e frutas são produtos escassos e os preços dispararam devido ao conflito.

Os moradores da Faixa de Gaza sofrem com as sanções internacionais impostas contra o grupo Hamas, que administra politicamente a região. Há um rígido embargo econômico por parte de Israel, o que acaba forçando os palestinos a cavarem túneis para o favorecimento do contrabando de mantimentos vindos do Egito.

Um panorama final sobre o conflito em Gaza


Com a suspensão dos bombardeios, a população palestina pôde sair às ruas e presenciar o que restou da vizinhança. As três semanas de ofensiva deixaram praticamente todos os prédios do governo controlados pelo Hamas em ruínas e a infraestrutura das casas localizadas próximas ficou seriamente danificada.

Imagens retrataram os constantes ataques em áreas residenciais e densamente povoadas, principalmente em bairros como o de Tel al-Hawa, na Cidade de Gaza. O exército cercou o município, de aproximadamente 500 mil habitantes, por vários dias.

Tanques eram vistos circulando pelas ruas do centro da cidade, atirando em qualquer coisa que fosse considerada suspeita, incluindo prédios, veículos e aglomerações de pessoas.

Enquanto as baixas civis aumentavam descontroladamente, os esforços por um cessar-fogo junto à ofensiva israelense iam se intensificando através de pedidos de lideranças mundiais e de incontáveis protestos pró-Palestina pelo mundo a fora.

Cerca de 70 alvos rotulados como pontos estratégicos do Hamas foram atacados em Gaza. Nestes, vários civis morreram e, embora não se saiba ainda dados oficiais sobre o número de perdas humanas, especula-se que chegue a quase 1.400 mortos.

Entre os locais atingidos se encontram, segundo a IDF, 14 comandos do Hamas e uma mesquita na cidade de Rafah, no sul da Faixa. A justificativa para atacá-la, conforme a agência de inteligência judia, foi que o local era utilizado por milicianos para o armazenamento de armas, sendo tratado como um grande paiol militar da insurgência, para ficar mais claro.

Também foram alvo de bombardeios outras 14 plataformas de lançamento de foguetes, cinco armazéns bélicos escondidos em casas de propriedade de membros do Hamas e um túnel situado sob a residência de outro militante ligado ao grupo, conforme a IDF.

Desejo fazer uma observação um tanto pessoal. Nós, seres humanos, sempre fomos seguidores de normas e convenções espirituais quanto ao tratamento dado aos nossos entes que morrem e necessitam serem enterrados, ou mesmo cremados, a fim de evitarmos um constrangimento visual da decomposição do cadáver. Todo esse ritual segue os princípios religiosos de cada um, independente de qual seja a sua crença.

Pois bem! Se não bastasse as agressões contra a população encarnada, a ofensiva israelense insultou ainda mais o povo palestino ao deflagrar um ataque também contra a população do além-túmulo.
Durante o período dos combates, os cidadãos de Gaza se esforçavam para encontrar lugares onde enterrar os seus mortos. Os cemitérios nas cidades ficaram fechados para novos funerais e o toque de recolher imposto por Israel forçava-os a mantê-los em casa. Após a reabertura das necrópoles, os moradores das localidades atingidas passaram a procurar os sepulcros para o encerramento das celebrações de despedida. Nada mais justo e, infelizmente, uma mórbida realidade do caos instaurado.

No dia 14, em uma quarta-feira que já estaria sendo insuportável aos presentes nos vários cortejos fúnebres, Israel conseguiu ser ainda mais cruel, ou melhor, mais filho da puta.
Enquanto eram sepultados os palestinos atingidos pelos últimos combates, a força aérea israelense bombardeou um dos cemitérios mais tradicionais da Cidade de Gaza, o superlotado Sheik Radwan, lançando partes putrefaz de cadáveres para as casas vizinhas e explodindo algumas sepulturas.

Trinta pessoas ficaram feridas e quem estava morto continuou morto. Só que desta vez pulverizado!
Situada em um território de aproximadamente 15 quilômetros de largura por 40 de extensão, a Cidade de Gaza sempre sofreu com a falta de espaço para enterrar os mortos.

Na verdade, não há espaço suficiente nem mesmo para quem está vivo. Apenas o Cemitério dos Mártires ainda possui vagas na região.
O Exército israelense não comentou o fato, mas especula-se que o país lançou a operação para acabar com possíveis plataformas de lançamentos de foguetes contra o sul do país a partir do Sheik Radwan.

No passado, alguns cemitérios em Gaza eram utilizados para o contrabando de armas através de túneis secretos escondidos entre as sepulturas.
Fica no ar certa ironia típica de uma piada de mau gosto. Será que o ódio judeu contra o povo palestino é tanto, nessas situações de guerra, que não se perdoam nem quem já morreu? Você tem medo de fantasmas?
Supondo que eu fizesse uma carta direcionada ao Governo israelense, fazendo-lhes uma pergunta que esclarecesse tal dúvida, talvez recebesse como resposta algo assim:
“Prezado senhor, respondendo-lhe o questionamento sobre a ação militar ocorrida em recente na área conhecida como Cemitério Sheik Radwan, informamos-lhe que a retaliação contra a população local foi um ato legítimo em defesa dos interesses que mantêm a integridade territorial do Estado Israelense e a segurança de seus cidadãos. Os extintos depositados em suas urnas mortuárias participavam de ações terroristas contra a Nação de Israel, oferecendo seus logradouros para o armazenamento de material bélico que seria utilizado em retaliação à soberania do Estado. Nossas ações estão embasadas pelas normas da Convenção de Genebra, apesar de não a termos assinado”.

Depois dos bombardeios, os moradores recolheram as partes dos corpos e as depositaram na cratera aberta onde estavam cerca de 30 túmulos. Várias lápides foram destruídas durante os ataques.
Sobre o uso militar de elementos químicos, várias entidades internacionais de ajuda humanitária, médicos, socorristas, voluntários e a maioria das pessoas que vivenciaram os ataques afirmam que Israel utilizou-se de armas proibidas pela Convenção de Genebra para subjugar o grupo extremista Hamas e o próprio povo palestino.
A UNRWA acusa o Estado Judeu de atirar contra as suas dependências com projéteis contendo fósforo branco, uma substância proibida pela ONU justamente por causar queimaduras severas por sua combustão ao entrar em contato com o ar. A denúncia já havia sido feita antes mesmo dos ataques ao depósito de alimentos da entidade.

O grupo internacional de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch também denunciou o uso do produto tóxico na artilharia utilizada pelo exército. Segundo a instituição, Israel está repetindo o mesmo procedimento militar realizado em 2006 contra objetivos militares no sul do Líbano, especificamente no conflito ocorrido contra a milícia xiita Hezbollah.

A Cruz Vermelha Internacional foi outra que acusou Israel de utilizar o produto em suas bombas e mísseis, mas foi mais cautelosa quanto à acusação a respeito da ação israelense na Faixa de Gaza. A instituição informou que apesar de todas as circunstâncias evidenciarem a presença do fósforo branco como munição, ela não possui provas concretas que comprovem o uso impróprio ou ilegal do químico com a intenção deliberada de atingir a população civil.
Segundo a Cruz Vermelha, o fósforo branco não é considerado uma arma química e pode ser utilizado para iluminar o alvo que, de maneira comum, necessita ser sinalizado nas ações noturnas do exército. Outra ponderação quanto à aplicação do agente incendiário é a de que o produto serve também para a camuflagem, encobrindo os ataques diários de infantaria através de nuvens de fumaça.

Afirmo que as precauções cruz-vermelhistas são, no mínimo, hipócritas e covardes. As justificativas quanto ao uso técnico do fósforo branco deveriam ser contrapostas às autópsias nos inúmeros cadáveres incinerados pela ‘fumaça camuflante’ das armas israelenses. A única atitude proveitosa da tão respeitada instituição foi um pedido para que o Exército de Israel fosse mais cauteloso ao usar as suas armas, segundo Peter Herby, chefe da Unidade de Armamentos da entidade.

Toda guerra é um absurdo e esta não seria diferente. Existem aqueles que a buscam para satisfazer os vários interesses de dominação impostos pela constante ordem mundial que os obriga a manipularem os mais fracos e a explorarem os seus recursos naturais. Existem os que se utilizam dela para se manterem fortes em suas convicções e tradições, principalmente as religiosas e políticas. Lutam em nome da paz pelo convencimento arbitrário do uso da força. E há, ainda, os que alegam que a batalha é uma cruzada entre o bem e o mal, onde sempre representarão o papel ilusório do herói.

Os acontecimentos ocorridos nestes primeiros dias de 2009 não serão os últimos que ainda enfrentarão o povo palestino até a sua plena emancipação das correntes ideológicas e militares que os aprisionam em seu rico e estratégico território.

Ainda demorará muito para que cidadãos palestinos se abracem e realmente sintam a real felicidade do significado de Feliz Ano Novo. De saberem que serão respeitados quanto pessoas e dignamente tratados como tais.

A criação de um Estado Palestino democrático e soberano, livre da influência estrangeira e religiosa em suas instituições, é um sonho idealizado por muitos, mas quase inatingível. Pelo menos por enquanto. (CS)


Imagens creditadas a Mohammed Saber / Efe, Jerry Lampen / Reuters, The Jerusalem Post / IDF, Petros Karadjias / AP, Eyad Baba / AP, Tara Todras-Whitehill / AP, The Jerusalem Post / AP, The Jerusalem Post / AP, The Jerusalem Post / AP, The Jerusalem Post / AP, The Jerusalem Post / AP, Juan Medina / Reuters, Hatem Moussa / AP, Ariel Hermoni / AP, Ariel Schallit / AP, Peter Dejong / AP, Hatem Moussa / AP, The Jerusalem Post / AP, Hatem Moussa / AP, Hatem Moussa / AP, Adel Hana / AP, Sebastian Scheiner / AP, Bernat Armangue / AP, Yannis Behrakis / Reuters, Jim Hollander / Efe, Hatem Moussa / AP, Kjaled El-Fiqi / Efe, Khaled El Fiqi / Efe, Khalil Hamra / AP, Ali Ali / Efe, Khalil Hamra / AP, Hatem Moussa / AP, Hatem Moussa / AP, Eyad Baba / AP, The Jerusalem Post / AP, The Jerusalem Post / AP, Nasser Ishtayeh / AP, The Jerusalem Post / AP, Ashraf Amra / AP, Ibraheem Abu Mustafa / Reuters, Hatem Moussa / AP, Adel Hana / AP, Hatem Moussa / AP, Mohammed Salem / Reuters, The Jerusalem Post / AP, Suhaib Salem / Reuters, Suhaib Salem / Reuters, Eyad Baba / AP, Ibraheem Abu Mustafa / Reuters, The Jerusalem Post / AP, Bernat Armangue / AP, Mohammed Salem / Reuters, Patrick Baz / AP, Mohammed Saber / Efe, Suhaib Salem / Reuters, Khalil Hamra / AP, Hatem Moussa / AP, The Jerusalem Post / AP, Hatem Moussa / AP, Jim Hollander / Efe, Ibraheem Abu Mustafa / Reuters, Hatem Moussa / AP, Jim Hollander / Efe, Amir Cohen / Reuters, Khalil Hamra / AP, The Jerusalem Post / IDF, The Jerusalem Post / AP, Ali Ali / Efe e Lefteris Pitarakis / AP, respectivamente.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Um conto de Natal moderno: o beijo, o cachorro e o sapato



Creio que milhares de pessoas no planeta já conhecem a estória de Ebenezer Scrooge, escrita pelo inglês Charles Dickens e publicada na semana anterior ao Natal de 1843. O Natal do Sr. Scrooge é um conto natalino que narra a fábula de um homem rico, e de idade avançada, tido como muito avarento, que detestava a época do Natal. Solitário, Scrooge é um personagem que, no papel de patrão, não desejava conceder ao seu melhor funcionário, Bob Cratchit, apenas um dia de folga do trabalho às vésperas natalinas. A sua vida passa a mudar quando, pouco antes da famosa confraternização católica, recebe a visita de um morto, seu finado amigo e sócio, Jacob Marley. Marley volta do além túmulo para relatar ao detestável ancião sobre o que encontrou do outro lado da vida e, arrependido do modo como foi a sua existência terrena, revela ao ex-amigo como salvar a própria alma. O inusitado espectro avisa a Ebenezer que logo ele receberá a visita de três espíritos e que deverá avaliar, a partir dessa manifestação, a sua conduta, já que para ele o fim também se aproximava. Os três fantasmas, um a cada seqüência, se apresentam a Scrooge como materializações dos espíritos natalinos, do passado, do presente e do futuro. A intenção é que Ebenezer Scrooge mude sua postura e dê importância ao valor da solidariedade na época de Natal. É uma obra admirável, principalmente porque nos remete a uma auto-análise sobre nossas próprias posturas perante aos outros.
Em uma visita surpresa a Bagdá, no último domingo, dia 14, o presidente norte-americano George W. Bush foi surpreendido por uma inusitada recepção. Há apenas 37 dias de entregar o cargo ao presidente eleito Barack Obama, o chefe da Casa Branca discursava durante uma coletiva sobre a ocupação militar no país, dizendo que “a guerra foi difícil, mas necessária para proteger os EUA e dar ao Iraque a esperança de um futuro pacífico”, defendendo em seu discurso a invasão do território iraquiano e a derrubada do regime ditatorial do ex-presidente Saddam Hussein. Bush participava de uma cerimônia simbólica de assinatura de um novo pacto de segurança entre EUA e Iraque, quando, no momento em que falava aos jornalistas, ao lado do primeiro-ministro Nuri Al Maliki, um jovem repórter entrou para a posteridade.

“Este é seu beijo de despedida, cachorro!”

Durante a cerimônia que, com certeza, foi a sua última apresentação no território iraquiano como presidente dos Estados Unidos, W. Bush foi interrompido por um par de sapatos oriundos de sua pequena platéia. Imagens de TVs revelaram quando o jornalista Muntazer Al-Zaidi, correspondente do canal de televisão Al-Baghdadia, de propriedade iraquiana e com sede em Cairo, no Egito, se levantou e disse a célebre frase: “este é o seu beijo de despedida, cachorro! Isso é pelas viúvas, pelos órfãos e aqueles que foram mortos no Iraque”, antes de arremessar os sapatos no presidente americano. Contido por seguranças, Al-Zaidi foi detido e provavelmente será processado pela justiça do país por desacato, podendo ser condenado a pelo menos dois anos na prisão se for julgado por insulto a um líder estrangeiro e ao premiê iraquiano, que estava ao lado de Bush no momento do incidente. Segundo relatos, o jornalista foi submetido a exames para detectar a presença de álcool e drogas, podendo ser investigado, ainda, sobre a possibilidade de ter aceitado uma compensação financeira para praticar o ato. Apesar do intuito, George W. Bush não foi atingido pelo calçado, desviando-se comicamente ao abaixar-se e levantar-se como um ator em uma cena pastelão.
Sobre códigos e significâncias, os sapatos podem representar vários sentidos. A crendice popular ocidental confere ao objeto o poder de atrair boas energias e manter o equilíbrio financeiro, social e físico. Diz-se, segundo a superstição, que quando o seu solado está para cima prenuncia, ou está chamando, a morte para o dono. Quando colocado nas janelas durante a noite de Natal, representa um dos locais onde se podem depositar os presentes recebidos. No século XVI, em alguns países europeus, era um símbolo de autoridade. Na cultura árabe, atirar os sapatos em alguém é uma ofensa quase imperdoável, uma atitude de extremo desprezo contra uma pessoa. Significa que ela é menos que um calçado, que fica sempre no chão e sujo. Segundo os costumes iraquianos, mostrar a sola de um sapato equivale a dizer que a pessoa é inferior à sujeira do calçado. Arremessá-los é ainda mais ultrajante. Ser chamado de cachorro piora ainda mais a situação. A imagem de um cão, associada à de um homem, o iguala a um animal que vive perambulando entre a miséria, doenças e morte.
Usar os sapatos como forma de liberdade de expressão pode parecer estranho, ainda mais vindo de um jornalista, mas deve ser compreendido. O fato simboliza a frustração de milhares de iraquianos com a deterioração das condições do país e com a morte de mais de um milhão de civis por causa da invasão americana. O gesto de Zaidi é um retrato amargo da participação dos EUA no Iraque, principalmente quanto à imagem de Bush, considerado um dos presidentes mais impopulares da história americana. É mais um episódio que demonstra a falta de credibilidade e legitimidade das ações aliadas no país. Logo após a prisão de Al Zaidi, milhares de iraquianos foram às ruas exigindo a liberação do repórter. Muitos árabes por todo o Oriente Médio elogiaram o ato e até consideraram a ação como de extrema bravura. Bush ainda tentou minimizar o incidente, dizendo que a atitude do repórter fora um ato isolado e não representa o verdadeiro sentimento do povo iraquiano. Cômico, ainda brincou com a situação, dizendo que o sapato era de número 10, o que equivale ao 42 brasileiro. Em 2003, os iraquianos atacaram da mesma forma a estátua do ex-ditador Saddam Hussein, satisfeitos com a derrubada do regime do antigo governante.
O presidente norte-americano disse que, apesar de Hussein não ter tido participação com os ataques terroristas de 11 de setembro contra os Estados Unidos, a decisão de derrubá-lo não pode ser vista fora do contexto dos ataques. "Num mundo onde terroristas armados apenas com estiletes conseguiram matar quase três mil pessoas, os Estados Unidos tiveram de decidir se poderíamos tolerar um inimigo que agia deliberadamente, que apoiava o terrorismo e que agências de inteligência ao redor do mundo acreditavam ter armas de destruição em massa", disse Bush, referindo-se a relatórios de inteligência que, depois, provaram-se falsos.
A primeira viagem de George W. Bush ao Iraque aconteceu em novembro de 2003, poucos meses depois da invasão liderada pelos EUA, ocorrida em março. Bush ainda voltou ao território iraquiano em 2006 e em 2007, ano em que também se reuniu com algumas lideranças tribais que combatem junto com o governo a rede terrorista Al-Qaeda no país. Atualmente, há cerca de 150 mil soldados americanos no Iraque e 32 mil no Afeganistão. Mais de 4.200 americanos já morreram no conflito e foram gastos aproximadamente US$ 576 bilhões desde o início da invasão. (CS)


Imagem creditada a Associated Press


LEIA TAMBÉM:

NEFELIBATA DE ATALAIA, produzido pelo jornalista Alexandre Campinas
BALAIO GERAIS, produzido pelo jornalista Vander Ribeiro

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O fenômeno Obama ou como um mestiço conquistou a América


A eleição de um afro-americano para o comando da maior nação bélica do planeta era, há muito pouco tempo, algo tido como improvável, e até mesmo quase impossível de ser aceito por muitos analistas políticos não somente nos EUA, mas em todo o resto do mundo. A escolha de um senador negro para a Casa Branca pode ser considerada um grande passo na luta contra o preconceito racial nos Estados Unidos, colocando uma breve trégua a um apartheid que ainda se mantêm ativo em suas entranhas sociais. Para refletirmos sobre a conquista de Barack Obama frente ao pleito norte-americano, sob a perspectiva de uma conquista racial, vale ressaltarmos a luta anti-segregacionista ocorrida no país durante a década de 1960, movida por Martin Luther King e Malcolm X, além de Huey Newton e Bobby Seale, fundadores do Partido dos Panteras Negras.

Eu tenho um sonho

No dia 28 de agosto de 1963, o pastor e ativista político Martin Luther King Jr. falou de seu sonho para todos os seus concidadãos da América nos degraus do Lincoln Memorial, em Washington, Distrito de Columbia. Naquele dia, com a estátua do ex-presidente Abraham Lincoln servindo de honroso púlpito, Luther King declamou seu discurso de mobilização social pela luta contra o apartheid nos EUA e o respeito aos direitos civis dos negros e das mulheres no país e no mundo, através de um manifesto de não-violência e de amor ao próximo. King considerava que as idéias de desobediência não-violenta, difundidas pelo líder indiano Mahatma Gandhi, aplicavam-se também aos Estados Unidos. Em seus conceitos sobre a idealização de mudanças, afirmava que a realização de protestos pacíficos contra o sistema segregacionista norte-americano, principalmente na parte sul do país, conseguiria atingir um clamor público favorável à causa dos direitos civis da população negra. Mas, esse era um pensamento que nem todos compartilhavam.
Enquanto Martin Luther King acreditava que a resistência pacífica agiria como uma arma contrária ao racismo e a segregação, Malcolm Little, um dos principais defensores dos direitos dos negros no país, defendia a separação das raças, a independência econômica e a criação de um Estado autônomo para os negros. Segundo ele, a questão negra não era apenas uma questão social, mas sim uma questão política, civil e econômica. Sua aproximação com os ideais socialistas o levou a perceber que a questão do negro americano passava pela estrutura opressora do capitalismo. Através dessa nova forma de interpretação do cotidiano social norte-americano, Malcolm X idealizou a Organização da Unidade Afro-Americana, uma entidade focada nos problemas das minorias sociais da população dos Estados Unidos. A sua opção pelo assistencialismo e pela violência foi de grande relevância para o surgimento de importantes movimentos no fim da década de 1960, como a criação do Partido dos Panteras Negras. Little ponderava que a violência não poderia ser interpretada como um ato de barbárie, mas como um meio legítimo de conquistas, reafirmando em seus discursos que todas as mudanças históricas da humanidade se deram através dela. A violência proposta por Malcolm X era, portanto, um método de transformação e não uma agressão gratuita.
O Partido Pantera Negra para Auto-Defesa, mais tarde Partido Panteras Negras, foi fundado na cidade de Oakland, na Califórnia, por Huey Newton e Bobby Seale, no ano de 1966. No início de suas atividades, o idealismo político dos Panteras consistia em promover patrulhas pelos guetos negros oferecendo proteção aos moradores contra os atos de brutalidade praticados pela polícia nos subúrbios. Logo mais, além dessa ‘proteção’, o grupo passou a reivindicar a isenção do pagamento de quaisquer tributos pelos negros e exigiam outros direitos contrários à igualdade de convivência social, tornando tais pedidos arbitrários e impossíveis de serem aceitos. Uma ala mais radical do partido defendia a luta armada a favor dessas exigências. Os conflitos entre membros dos Panteras Negras e a polícia nas décadas de 1960 e 1970 provocaram várias mortes, incluindo a prisão de Newton sob a acusação de ter assassinado um policial. A violência causada pelo conflito gerou uma hostilização ainda maior por parte da polícia com relação aos negros e aos Panteras. Em meados da década de 1970, já sem a total simpatia de vários líderes negros e com muitos de seus membros presos, o Partido dos Panteras Negras abandonou a violência por uma política convencional de prestação de serviços sociais nas comunidades negras americanas.
Todo esse idealismo igualitário para uma equiparação racial entre negros e brancos, sonhado pelos muitos ativistas que participaram daquela época, foram concretizados com o resultado das urnas nas últimas eleições. A escolha do senador de Illinois, Barack Obama, como presidente dos Estados Unidos, e o primeiro negro a sentar na cadeira que pertenceu a George Washington, tem uma significação, em especial, devido à segregação de cor que sempre predominou no território norte-americano.

Onde a cor influenciou na disputa?

Se você parar para rever alguns artigos e vídeos veiculados ao candidato Obama, enquanto transcorriam os meses antes das eleições, poderá observar que em momento algum ele usa o artifício de ser negro para pedir votos. Ao contrário, ao deixar que os outros agregassem significados raciais para a sua candidatura, o senador se isentou de comentar assuntos relativos à luta pela igualdade dos negros no país. A estratégia de campanha de Barack Obama, nesse caso em específico de ser um candidato que está desafiando a história, foi colocar-se como uma figura que nega a história, que ignora tabus pré-estereotipados. O intuito foi, durante todo o tempo, retirar o estigma de um candidato negro que concorria à Casa Branca, mas não rejeitando o apoio daqueles que viam nisso uma vitória racial. Uma boa jogada de marketing da equipe de campanha foi a data escolhida para um dos discursos mais importantes de sua candidatura - 28 de agosto -, ocorrida em Denver, no estado do Colorado, coincidindo com o 45º aniversário do discurso “I have a dream”, de Martin Luther King. A alusão à data tornou o evento uma comparação não assumida, mas induzida a uma correlação entre ambos os líderes.
Outra confirmação de que Obama manteve afastado o estereótipo de negro pode ser observado no discurso de comemoração por sua indicação para concorrer à presidência pelo Partido Democrata, derrotando a senadora por Nova York, Hillary Clinton. Em seu pronunciamento, não há menção sobre sua raça, apenas uma dedicatória à sua avó. O mesmo aconteceu no seu discurso após a vitória sobre o republicano John McCain. “Se pessoas ainda têm dúvidas de que a América é o lugar onde as coisas são possíveis, que ainda acreditam que os sonhos dos nossos fundadores ainda estão vivos, se ainda questionam o poder da nossa democracia, esta noite é a sua resposta”. Não há nada que o vincule, novamente através de seus agradecimentos, sobre ter sido apoiado, ou eleito, por uma bandeira ideológica consolidada à sua condição de negro. Ao contrário, em um país onde somente 12% da população são negras, seria um desastre utilizar essa estratégia como lema de campanha para alcançar a aprovação do seu nome como o representante máximo do Estado.

O que ocorreu então?

Embora a vitória de Obama traga um simbolismo histórico a uma nação marcada pelo preconceito racial, a eleição de um democrata não surpreende. Devido ao processo de recessão e a grave crise financeira no país, as chances do Partido Republicano diminuíram bastante, tornando quase remotas a continuidade através de mais um mandato. Grande parte da derrota republicana deve-se aos baixos índices de popularidade do presidente George Walker Bush. Os eleitores culpam a Presidência pela crise instaurada e não pensam no governo como um conjunto político. Esse fato impulsionou a escolha por Obama em muitos estados vencidos por Bush em 2004.
Superficialmente, o candidato derrotado John McCain parecia ter todos os requisitos para conseguir a cadeira presidencial: é detentor de uma boa experiência política, reconhecido por ‘bravura e heroísmo’ durante a Guerra do Vietnã e conhecedor de política internacional. Seu adversário à Casa Branca era apenas um político inexperiente e quase desconhecido senador negro do estado de Illinois. Até a essa análise, as chances de Obama eram quase improváveis, mas vários fatores prejudicaram a campanha de McCain. O primeiro, e talvez o maior deles, foi conseguir arrecadar dinheiro para competir com os US$ 650 milhões arrecadados por Obama. Por ter aceitado verbas federais - ajuda que Barack Obama dispensou - o republicano limitou o gasto máximo de sua campanha em “míseros” US$ 85 milhões. O Comitê Nacional Republicano, incluindo alguns grupos pró-John McCain, gastaram bem mais do que isso. A habilidade de Obama em se apresentar nos canais de televisão também influenciou na derrota do candidato que, para piorar, tinha dinheiro necessário para forçar McCain a gastar em Estados que, teoricamente, eram republicanos. Com a verba reduzida, o veterano pouco pode fazer para reverter o quadro de derrota que se instaurava cada vez mais sobre a sua candidatura. Outra dificuldade enfrentada por McCain foi tentar se distanciar da imagem negativa do governo de George W. Bush sem rejeitar explicitamente o seu apoio. Como a maioria dos republicanos mais leais, manteve a sua solidariedade a Bush alegando apenas que seria um presidente diferente. Essa alegação foi colocada várias vezes por Obama nos debates que aconteceram pelo país, relacionando o fato a um continuísmo do atual governo. Outro fator que prejudicou a candidatura de John McCain à presidência foi a fragilidade política de sua vice, a governadora do Alaska, Sarah Palin. Sua indicação foi uma grande aposta para acalmar a ala direita do partido, formada em sua maioria pela bancada evangélica, que não foi tão simpatizante com a escolha de McCain como o candidato representante do partido para a corrida presidencial. A escolha de Palin como companheira de chapa, sem ao menos a candidata possuir um know-how nacional ou internacional que a qualificasse para o cargo, também foi argumentado pelos democratas como fator de fragilidade política dos republicanos. Nas poucas entrevistas que deu, Sarah Palin deixou claro que não entendia de questões de política internacional com a mesma profundidade que qualquer um de seus adversários. Na verdade, John McCain não conseguiu manter uma linha de coerência em seu discurso político, passando de herói de guerra a profundo conhecedor da política e mais tarde alterando-o para um candidato dissidente do modo de governo implantado por Bush. Em toda a campanha, ele em nenhum momento conseguiu abalar a candidatura democrata. Foram perceptíveis, em alguns debates televisivos, o autocontrole de McCain para conter um semblante sereno quando atacado por Obama. Talvez essa falsa característica para um ex-combatente de guerra tenha gerado uma cobertura negativa da imagem do candidato entre os eleitores que acreditavam na força de um super-homem.
Em uma análise final, a candidatura de John McCain à Casa Branca projetava a figura de um homem voltado ao saudosismo dos bons tempos republicanos nos Estados Unidos, de um cidadão público que passou por muita coisa e serviu bem ao seu país. Mas, para uma nação decepcionada com o regime republicano, e o apelo de um adversário mais jovem com uma mensagem de mudanças na postura administrativa americana, foram inimigos que McCain não conseguiu vencer durante esta que, talvez, tenha sido a sua última grande batalha. (CS)



Imagem creditada a Associated Press


LEIA TAMBÉM:

NEFELIBATA DE ATALAIA, produzido pelo jornalista Alexandre Campinas
BALAIO GERAIS, produzido pelo jornalista Vander Ribeiro

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A sucessão presidencial passa por Minas


“O primeiro juízo que se faz da mente de um príncipe é observar os homens que ele tem a seu lado. Quando eles são capazes e fiéis, podemos considerá-lo sábio, porque soube reconhecê-los suficientemente e mantê-los fiéis; quando, porém, não forem assim, pode-se fazer mau juízo dele, pois o primeiro erro que comete é o desta escolha”.
Observando as palavras do escritor italiano Nicolau Maquiavel, proferidas no distante século XVI, as alianças que se constroem dentro do jogo político são a base do sucesso ou da ruína de qualquer postulante a um cargo governamental. Porém, uma ressalva plausível de ser comentada, em se tratando de atitudes políticas, é quanto ao seu inimigo partidário se tornar o seu principal aliado para a conquista de um projeto ainda maior de dominação e poder. Isso para ambos. O melhor cenário para essa referência analítica foi as eleições municipais de 2008 em Belo Horizonte e a polêmica aliança entre o atual prefeito Fernando Pimentel (PT-MG) e o governador Aécio Neves (PSDB-MG), em prol da candidatura do socialista Márcio Lacerda (PSB-MG). A união petista e tucana provocou um racha nas bases aliadas ao alcaide, inclusive com longos debates sobre a legalidade dessa parceria pelos membros da executiva nacional do Partido dos Trabalhadores. O resultado da insatisfação com a atitude de Fernando Pimentel foi o lançamento da candidatura da deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG), ex-aliada política e apoiada por dissidentes petistas, como opção contrária ao acordo entre o prefeito e o governador. Não é nenhuma novidade que toda essa articulação visa exclusivamente as próximas eleições do pleito de 2010.
O acordo deu-se da seguinte forma: o empresário Márcio Lacerda é um ilustre desconhecido da maioria da população belo horizontina, apesar de ter ocupado cargos de relevância nos governos Lula e Aécio Neves. Mesmo com o apadrinhamento e o apoio de peso do prefeito e do governador, Lacerda iniciou o primeiro turno como o terceiro colocado em uma disputa com nove concorrentes. Com o início das propagandas eleitorais no rádio e na televisão, o candidato da aliança alcançou o primeiro lugar, mas não conseguiu decidir a eleição já no primeiro turno. Ataques constantes de seus adversários, principalmente da candidata Jô Moraes, fêz-lo disputar o segundo turno com o peemedebista Leonardo Quintão. O deputado federal, a propósito, conquistou a simpatia do eleitorado com uma campanha popularista de proximidade com o cidadão, priorizando o contato direto com o público através de caminhadas e de um discurso simplista de como gerenciar a cidade. Durante as semanas que precederam à segunda votação, os candidatos mantiveram as trocas de acusações e pouco se falou das propostas para o município. Apesar de, inicialmente, as pesquisas divulgadas pelo Instituto Ibope apresentarem uma vantagem de aproximadamente 30% de diferença a favor do candidato do PMDB, o aspirante a prefeito não conseguiu manter a liderança estabelecida. A chapa de Márcio Lacerda, tendo o petista Roberto Carvalho como vice, foi eleita com 767.332 votos, ou 59,12% dos válidos, e Leonardo Quintão, junto com o seu vice Eros Biondini, obtiveram 530.560 adesões a suas propostas políticas.
Dentre as promessas de Márcio Lacerda para a sua gestão municipal encontram-se a construção de um hospital metropolitano na região do Barreiro, a criação de dez mil novas moradias em vilas e favelas, a expansão da capacidade do metrô dos atuais 150 mil para 800 mil passageiros/dia, a construção de 12 escolas de ensino fundamental e a ampliação de outras seis, a implantação de 100 novos postos de acesso à internet na capital, além de outros compromissos acordados com a população. Para isso, Lacerda conta com o apoio de uma bancada de 34 vereadores dentre os 41 que exercerão o mandato eletivo para os próximos quatro anos. Para o futuro prefeito, a manutenção da governabilidade de seu mandato passa pelo equilíbrio nas relações entre o executivo e o legislativo e será a base principal para alavancar o real projeto por trás de sua candidatura.
Aliás, a vitória de Márcio Lacerda, apesar de toda ajuda política que recebeu, foi um mérito próprio de seu esforço em conquistar os votos dos indecisos e dos eleitores descrentes da sua pessoa. Dois fatores foram fundamentais para as mudanças nas intenções de voto: com o quase empate técnico no primeiro turno, Lacerda foi obrigado a buscar o apoio popular para promover uma restauração da sua imagem pública, atacada duramente pelos candidatos concorrentes que o denunciavam sobre uma possível participação no caso do Mensalão. Certo de que o apoio recebido até então do governador e do prefeito não faria diferença para uma possível transferência de votos, Lacerda tentou reverter o quadro através de um corpo a corpo com o eleitorado, apesar das dificuldades em manter um relacionamento com o cidadão que, desconfiado, ainda não havia decidido pela aceitação do candidato. Outro fator importante para a ascensão de sua candidatura foi a falta de competência do candidato Leonardo Quintão em administrar a vantagem obtida no primeiro turno. Um dos erros de Quintão foi não manter uma postura oposicionista nem ao prefeito e nem ao governador, o que agradaria aos eleitores que discordavam da aliança. Contrariando alguns de seus coordenadores que insistiam em uma posição mais clara e mais firme na sua atitude política, o deputado federal adotou em boa parte de sua campanha um discurso de elogios tanto para um, quanto para o outro, afirmando sempre que possível, a sua pretensão de ser mais um parceiro do presidente Lula. Além do mais, Leonardo Quintão, atualmente com 33 anos de idade, aumentou a sua fragilidade política ao adotar um linguajar cheio de equívocos gramaticais diante das câmeras de televisão, incluindo um modo quase infantil ao expressar suas idéias e projetos administrativos para a cidade. Esse engodo o transformou em motivo de deboche na internet, além de diminuir circunstancialmente as suas chances de vitória durante o segundo turno. Não querendo cometer ou ser vítima de um erro histórico, boa parte da população optou por Márcio Lacerda como sendo o mais capacitado para administrar a capital mineira.

Vencedores X Derrotados

Alguns nomes de peso nacional estiveram envolvidos nas coligações que concorreram à composição da Câmara Municipal e à Prefeitura de Belo Horizonte para 2009. O desgaste nas relações políticas entre o prefeito Pimentel e a sua antiga base, em referência à ala esquerdista que não concordou com a aliança, favoreceu o crescimento do PMDB como alternativa para os que foram derrotados no primeiro turno.
Pelo lado da situação, a coligação formada pela aliança política entre a cidade e o estado contou com a participação do governador Aécio Neves, do prefeito Fernando Pimentel, dos deputados federais Virgílio Guimarães e Miguel Côrrea Júnior, além da base aliada de vereadores que formam a bancada de apoio.
Pelo lado democrata, estiveram presentes os ministros Hélio Costa (PMDB-MG), Patrus Ananias (PT-MG), Luiz Dulci (PT-MG), o vice-presidente da República José Alencar, além da candidata derrotada Jô Moraes incluindo o delegado regional do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o ex-deputado Rogério Côrrea.
Indiscutivelmente, os maiores vencedores deste embate nas urnas foram o governador Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel. Articuladores ideológicos da união entre tucanos e petistas, ambos conseguiram emplacar a candidatura de Márcio Lacerda apoiado por uma união entre partidos rivais no segundo maior colégio eleitoral do país. Apesar da vitória em Minas, uma mesma aliança em nível nacional é um fato quase impossível de ser realizado. Mesmo saindo fortalecidos da disputa, a conquista da prefeitura municipal apenas no segundo turno frustra as pretensões de Aécio Neves em fortalecer a sua candidatura à presidência da república pelo PSDB, o mesmo ocorrendo com Fernando Pimentel na disputa pelo Palácio da Liberdade. Para o prefeito, a situação é um pouco mais difícil. Para se eleger governador em 2010, Pimentel terá que cicatrizar as feridas deixadas dentro PT mineiro após a coligação com o governador, além de disputar a vaga com outros nomes importantes do partido e fora dele. A reaproximação com o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, e com o chefe da secretaria-geral da Presidência, ministro Luiz Dulci, será de extrema importância para Pimentel consolidar o seu nome na disputa pela indicação ao governo do Estado. No caso de Aécio Neves, o seu maior oponente será o governador de São Paulo, José Serra. Aliás, ambos foram criticados por fazerem alianças contrárias à orientação do PSDB.
No cenário paulista, o governador José Serra sustentou seu apoio partidário de forma um pouco distante do candidato Geraldo Alckmin, mantendo-se tímido na campanha tucana à prefeitura. Ao contrário, no segundo turno, teve participação efetiva na defesa do atual prefeito Gilberto Kassab (DEM-SP). A derrota da candidata Marta Suplicy (PT-SP) deu a José Serra o maior colégio eleitoral do Brasil e, mantendo-se uma possível aliança com os Democratas, o governador é um fortíssimo candidato a indicação do partido para ser cabeça de chapa na sucessão do presidente Lula. A diferença entre as alianças tucanas pode ser explicada assim: em Minas, Aécio Neves procurou a aproximação com seus adversários políticos enquanto que, em São Paulo, José Serra tentou resgatar amizades com antigos aliados.
Sobre os derrotados, além do candidato Leonardo Quintão, outros importantes políticos tiveram seus sonhos frustrados pelas urnas. A candidata Jô Moraes foi derrotada duas vezes: em primeiro turno, quando ficou em terceiro lugar na disputa e no segundo, ao dar seu apoio ao peemedebista mesmo sem o consenso do seu partido. O ministro Patrus Ananias foi um dos principais críticos à aliança com os tucanos dentro do partido. Como não conseguiu evitá-la e ainda com o insucesso da candidata do PCdoB para alcançar a prefeitura, decidiu não apoiar nenhum candidato. Assim também ocorreu com o ministro Luiz Dulci. O vice-presidente José Alencar não conseguiu transferir votos para o candidato Leonardo Quintão, passando quase que despercebida a sua participação na campanha peemedebista. Mas, o maior derrotado nessa corrida para o Palácio da Liberdade foi o ministro Hélio Costa. Com a derrota de seu candidato, Costa viu suas chances diminuírem para uma disputa mais acirrada com os outros candidatos ao governo de Minas. O ministro confiava em uma vitória em Belo Horizonte para construir a sua candidatura ao governo do estado. Um trunfo que pode favorecer o futuro candidato nas próximas eleições é o fato de que o seu partido, o PMDB, possuir as maiores bancadas no Senado e na Câmara, além de ter saído fortalecido nacionalmente no último pleito municipal.
A importância de Minas e São Paulo no cenário político nacional é a grande cartada que o PSDB guardará em suas mãos para 2010. Com o sucesso das alianças tecidas por Aécio e Serra, o presidente Luiz Inácio terá dificuldades em validar o nome da ministra Dilma Rousseff para sucedê-lo no Planalto. Para obter êxito em seu projeto, Lula terá que conseguir o apoio em três estados estratégicos para manter a governabilidade no caso de uma possível vitória da ministra. Sendo assim, tende a aliar-se aos peemedebistas, já que o partido possui uma grande representatividade no cenário nacional. No Rio de Janeiro, o presidente deverá apoiar um nome que seja candidato pelo PMDB, podendo ser o atual governador Sérgio Cabral, que também teve o seu nome comentado como vice na chapa petista. Em Minas, Lula desejaria a cabeça de chapa. Os mais indicados são o prefeito Fernando Pimentel e o ministro Patrus Ananias mas, devido a uma possível reivindicação do PMDB por uma coligação no estado, o ministro Hélio Costa também pode ser considerado como um nome forte para 2010. Em São Paulo, a situação se repete, com uma propensão a uma aliança PT/PMDB. Essa colcha de retalhos, com emendas e costuras ainda a serem produzidas, fará parte, daqui para frente, do cotidiano político e das manchetes jornalísticas para os próximos dois anos. (CS)

Fotografia: Claudinei Souza

LEIA TAMBÉM:

NEFELIBATA DE ATALAIA, produzido pelo jornalista Alexandre Campinas
BALAIO GERAIS, produzido pelo jornalista Vander Ribeiro

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Trânsito será o grande dilema para a próxima administração


Considerado um dos maiores problemas da administração pública, o sistema de trânsito das grandes capitais tem sido o assunto principal de vários encontros por todo o país. Os discursos debatem sobre as dificuldades para a manutenção do sistema viário e as possíveis soluções que podem ser utilizadas para um melhor fluxo nos principais centros, além de melhorias no acesso da população aos pontos comerciais.
Em Belo Horizonte, técnicos da prefeitura prevêem que o trânsito da cidade tende a ficar mais crítico em alguns dos principais corredores, caso não haja intervenções nestes locais. Segundo dados divulgados pelo Detran-MG, a frota de veículos na capital supera um milhão de emplacamentos. Grande parte desse problema pode ser atribuído às campanhas comerciais e às facilidades propostas para o financiamento na compra de veículos. Os descontos e promoções mirabolantes induzem o consumidor à valorização do transporte particular, aumentando o número de congestionamentos na cidade. Outro fator prejudicial relacionado ao caos do trânsito é a infra-estrutura das vias públicas. Apesar das melhorias, Belo Horizonte ainda registra altos índices de engarrafamentos e lentidões, principalmente em sua área central. A criação de novas malhas de circulação que evitem esse problema requer não somente liberações políticas, mas necessita de um plano de ação que abriga projetos e desocupações de moradores, fato muitas vezes prejudicial aos que deixam suas casas. Outra grande dificuldade enfrentada pela prefeitura são os locais para o estacionamento no centro da capital. Com o constante crescimento do número de veículos nas ruas, o pedestre passou a dividir os poucos espaços nos passeios com uma barreira de carros e motocicletas o envolvendo nas calçadas. Tudo regulamentado por placas e fiscalizado pelos agentes da Bhtrans.
Segundo o Governo Federal, a política de mobilidade urbana sustentável deve ser praticada como um conjunto de ações que visa proporcionar o acesso amplo e democrático aos espaços urbanos, priorizando a redução de impactos ambientais e sociais. Para que parte disso ocorra em Belo Horizonte, algumas mudanças comportamentais deverão ser aplicadas futuramente no cotidiano da cidade. Uma dessas possíveis alterações será, caso não haja uma mudança realmente significativa que atenda o sistema viário urbano, a implantação do rodízio de veículos no trânsito da capital. Talvez esse seja um sistema de deslocamento no transporte que será quase inevitável aos grandes centros populacionais do país. Criado em outubro de 2007 pela prefeitura de São Paulo, o revezamento foi implantado inicialmente para melhorar a qualidade do ar na capital paulista. A idéia era diminuir a poluição atmosférica durante o inverno, quando o ar fica mais seco, através da redução do número de veículos em circulação.
Mesmo com esses investimentos na construção e revitalização de ruas e avenidas, Belo Horizonte necessita de novas formas de transporte, além de um maior controle sobre a emissão de gás carbônico na atmosfera, proveniente da combustão nos motores dos veículos. Assim como em outras cidades do mundo, o uso da bicicleta poderá ser uma solução para o trânsito na capital. A criação de ciclovias interligando alguns bairros, além de compartilhar com a política de mobilidade urbana sustentável, é uma alternativa viável para a diminuição do fluxo de veículos nas ruas. É necessário apenas o envolvimento da população em uma campanha de conscientização sobre o futuro do trânsito na capital.
A mudança no Código Brasileiro de Trânsito (CBT) que proíbe o uso de bebida alcoólica, determinando a tolerância zero no trânsito, favoreceu na diminuição de veículos nos finais de semana, principalmente nas áreas dos bares e restaurantes de Belo Horizonte. O problema é um aumento no uso de solicitações de táxis pela população provocando esperas superiores a 30 minutos. Outra proposta para a retirada de veículos no trânsito é a diminuição do valor das tarifas de ônibus, incentivando o uso do transporte coletivo.
Todos esses problemas deverão ser administrados pela próxima gestão da prefeitura de Belo Horizonte, vencida pelo socialista Márcio Lacerda (PSB) no último pleito eleitoral. Aliás, sobre Lacerda, devemos ressaltar que a sua candidatura foi baseada em um acordo político firmado entre o governador Aécio Neves (PSDB) e o atual prefeito Fernando Pimentel (PT), visando as próximas eleições de 2010 (CS).

Fotografia: Claudinei Souza

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Edson Luís e o Calabouço ou o estudo de um mártir a partir de sua significância quanto corpo


Sobre o ano de 1968, este foi marcado pelos movimentos estudantis em todo mundo. As autoridades buscavam conter os vários protestos dos estudantes através do uso da força e de mecanismos de repressão. No Brasil, o governo manteve uma linha dura com punições, cassações, suspensão de direitos políticos, prisões, espancamentos, torturas, desaparecimentos e ocultação de cadáveres, exílio e várias outras atrocidades contra o direito civil. Durante a Guerra Fria havia uma enorme indução norte-americana sobre a sociedade brasileira. Essa influência foi percebida em diversas áreas das esferas sociais, como na música, cinema, na alimentação e no estilo de vida de alguns brasileiros. Mas foi na educação que a ingerência dos Estados Unidos acabou por provocar os estudantes universitários, liderados pelo diretório estudantil da UNE. Segundo os dirigentes da União Nacional dos Estudantes, na época, o governo brasileiro tinha a intenção de modificar, gradativamente, todas as universidades federais em regime de fundação. Essas mudanças foram impostas pela Agência de Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID) em cumprimento aos acordos feitos pelo Brasil com a agência. A não concordância com o que fora acertado pelo Ministério da Educação e Cultura e o órgão norte-americano foi a principal reivindicação dos estudantes naquele momento. Após o golpe, o novo governo instaurado pelos militares promulgou uma lei com o objetivo de sufocar qualquer manifestação estudantil. A "Lei Suplicy", do então Ministro da Educação Flávio Suplicy de Lacerda, proibia a participação dos estudantes em questões políticas, suprimindo a liberdade de organização. Na tentativa de manter o controle sobre as ações dos estudantes, a polícia não hesitava em agir com autoritarismo e violência.
Em março de 1968, a polícia invadiu o restaurante do Calabouço no Rio de Janeiro. O restaurante era mantido pelo Governo para atender estudantes carentes e, naquele dia, um pequeno grupo de estudantes preparava um protesto contra as más condições em que se encontrava o local. Durante a operação, ocorreu um princípio de tumulto entre a polícia e os manifestantes. O estudante do ensino médio Edson Luis Lima Souto, de 18 anos, morreu vítima de um tiro disparado pela polícia. No enterro de Souto, aproximadamente 50.000 pessoas se concentraram em frente à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. A urna, coberta com a bandeira do Brasil, saiu em cortejo pelas ruas da cidade em meio a um clima de revolta que se expandiu pelo resto do país.
Rememorando quatro décadas após a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto, uma parceria entre a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, a Prefeitura do Rio de Janeiro, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) inauguraram uma estátua na Praça Ana Amélia, entre a Avenida Churchill e a Rua Santa Luzia, em homenagem ao estudante morto no período da ditadura militar. O jovem Edson foi o primeiro estudante morto de uma seqüência de várias outras vítimas da repressão no Brasil. A sua morte desencadeou um processo de comoção nacional e repúdio à forma truculenta como ocorreu o fato. O mito a ser desconstruído é o uso da imagem do aluno como mártir e a significância da sua morte para a sociedade.

O caso Edson Luís

Paraense nascido em Belém, Edson Luís mudou-se para o Rio de Janeiro para cursar o antigo segundo grau no Instituto Cooperativo de Ensino. A escola funcionava nas dependências do Complexo do Calabouço que, além do restaurante onde ocorreu o homicídio, possuía um teatro e uma policlínica. Ao seu redor funcionavam um pequeno comércio de prestação de serviços, com barbearias, alfaiates e lavanderias. De família humilde, o jovem aluno participava naquele fatídico dia 28 de março de 1968 de uma manifestação contra as condições de funcionamento do restaurante. Segundo ex-integrantes da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço, Edson Luís estava distante de ser uma liderança no movimento estudantil. Era apenas um rapaz que falava pouco e colaborava na fabricação de cartazes para a manifestação daquele dia. Um garoto que sonhava cursar a universidade e proporcionar uma vida melhor para a sua família.
O Restaurante Central dos Estudantes foi inaugurado em 1951 na antiga sede da UNE na Praia do Flamengo, mas encerrou os seus dias em um endereço próximo ao Aeroporto Santos Dumont. Era vinculado à Divisão Extra-Escolar do Ministério da Educação e ao Serviço de Alimentação de Previdência Social e administrado pela União Metropolitana dos Estudantes (UME). O nome sub-social é uma alusão à possibilidade de que naquele local tenha existido uma prisão para escravos, além de uma menção ficcional de um lugar marginalizado dentro de um sistema opressor. O Calabouço era um restaurante estudantil que oferecia refeições a baixo custo para estudantes carentes do Rio de Janeiro. Proporcionando diariamente um grande fluxo de pessoas, o local foi palco de manifestos e pedidos de melhorias na educação escolar do país. Algumas dessas intervenções criticavam diretamente o regime político implantado pelo novo governo e as restrições impostas ao movimento estudantil.
No dia 28 de março, um grupo de estudantes organizava uma passeata que deveria sair do restaurante do Calabouço em protesto a qualidade da comida e ao aumento no valor da refeição. A manifestação deveria ocorrer no fim da tarde, mas logo foi dispersa pela ação da polícia. Durante esse primeiro confronto, alguns alunos se esconderam nas dependências do restaurante e tentavam revidar contra-atacando com pedaços de paus e pedras. A inesperada retaliação forçou o efetivo policial a recuar para poder traçar uma nova formação para controlar o tumulto. A rua ficou propriamente deserta em meio a uma angustiante paz aparente. Iniciou-se novamente o conflito quando tiros foram disparados próximos ao Edifício da Legião Brasileira de Assistência. Os policiais, temendo que estudantes atacassem a embaixada norte-americana, resolveram invadir o Complexo do Calabouço e acabar de vez com aquela situação que se tornava fora de controle. Testemunhas afirmaram aos jornais da época que Edson Luís acabara de jantar e de que segurava uma bandeja nas mãos quando foi atingido por um golpe de cassetete no ombro. Durante a invasão, o comandante da tropa que fez a incursão no Complexo, Aloísio Raposo, teria sido ferido com uma pedrada e revidou atirando contra os seus agressores, atingindo o estudante com um único tiro certeiro no peito. Outros disparos foram ouvidos e mais pessoas feridas foram socorridas em hospitais, mas Edson morreu na hora. Poderia ser qualquer um, mas foi dado a ele a glória de morrer como mártir de um motim, já que o movimento não mudou em nada a situação do restaurante a não ser declarar definitivamente o seu fechamento e desencadear uma ação mais enérgica do regime contra o movimento estudantil.
O impacto de um corpo dentro daquele universo caótico de sentidos ideológicos foi a nova oportunidade oferecida a sociedade estudantil de reivindicar algo contra o sistema, de ter uma nova bandeira para lutar mesmo contra um oponente que o representa federativamente e, numericamente e belicosamente, muito superior às possibilidades de defesa que poderiam idealizar. A luta entre Davi e Golias desta vez deu-se pela lógica: venceu o gigante.
Várias foram as manifestações populares em todo o país cultuando o novo símbolo da resistência estudantil: o corpo de um adolescente que saiu de casa para iniciar uma nova etapa em sua vida; que trabalhava e estudava na esperança de ajudar a mãe a viver melhor. Edson Luís nunca teve a menor identificação de um líder nato ou posicionava-se como um. Nunca quis ser um herói, ainda mais desses que são criados a partir da extinção de sua pessoa. Era apenas mais um garoto que buscava melhorar sua condição social através da obtenção de reconhecimentos educacionais. Apenas mais um estudante dentre os milhares de alunos que freqüentavam o restaurante do Calabouço. Após a constatação de um cadáver, a espetacularização da vida tomou forma com o surgimento de novos personagens que manipulariam aquele episódio. Todos queriam demonstrar o seu repúdio contra o assassinato de um jovem estudante, indiferente se o conheciam ou não. A morte de Edson Luís foi o primeiro incidente que sensibilizou a opinião pública para a luta estudantil.

O decorrer dos dias

Temendo que a polícia desaparecesse com o corpo do estudante baleado, os manifestantes não permitiram que ele fosse retirado para o Instituto Médico Legal e o carregaram em passeata para a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, onde o artefato fúnebre foi velado. A própria necropsia foi realizada no local sob o cerco armado da Polícia Militar e de agentes do DOPS, e o seu atestado de óbito emitido ali mesmo. No período que compreendeu o velório e a missa de ressurreição promovida na Igreja da Candelária, várias manifestações foram realizadas pelo país. Propriamente o Estado do Rio de Janeiro parou no dia do sepultamento. Os cinemas localizados na Cinelândia anunciavam três exibições com títulos alusivos ao fato: A noite dos generais, À queima-roupa e Coração de Luto. Centenas de cartazes foram colados com frases de insurgência, tais como: “Mataram um estudante!” E se fosse o seu filho?” ou “Os velhos no poder e os jovens no caixão!”. Edson Luís foi enterrado como um mártir ao som do hino nacional brasileiro, homenageado quase como um ex-combatente de guerra, desses que morrem defendendo o seu país das forças opressoras que o sufocam.
O clima ainda tenso permaneceu até o dia 2 de abril, quando foi realizada uma celebração pela morte do estudante na Candelária. Ao fim da cerimônia, ocorrida durante a manhã, as pessoas que deixavam o recinto foram surpreendidas pela Cavalaria da Polícia, cercadas e atacadas a golpes de sabres e cassetetes. Várias ficaram feridas e algumas detidas pela corporação. Uma outra missa estava marcada para ser celebrada no mesmo dia, porém os militares haviam determinado a sua proibição e se posicionaram para reprimi-la sob qualquer forma. Do lado de fora da Matriz foram mantidas três fileiras de soldados a cavalo, mais o apoio do Corpo de Fuzileiros Navais e vários agentes do DOPS.
Apesar de não terem se envolvidos diretamente até aquele momento, alguns padres resolveram intervir em prol de seus fiéis. Sem temer uma retaliação futura, o vigário-geral do Rio de Janeiro, Dom Castro Pinto, se negou a proibir a realização da missa noturna. Esperando uma nova investida militar contra a população presente ao término da celebração, um ato de extrema bravura e coragem foi tomado pelos párocos presentes à cerimônia. Posicionando-se em duas correntes mantidas apenas pelas mãos dadas, formaram um enorme corredor por onde passaram os quase 600 fiéis que foram ao ato religioso. Os padres mantiveram-se presentes na Rua Rio Branco até que o último fiel passasse, sob os olhares conturbados dos policiais. Apesar do esforço, foi inevitável um novo confronto nas imediações da Cinelândia entre manifestantes e os cavalarianos.
A morte do estudante ainda gerou uma grande passeata no Rio de Janeiro, em 26 de junho. A Passeata dos Cem Mil no centro da cidade, mais especificamente na Cinelândia, foi a maior e mais importante manifestação de protesto ocorrida no país desde a instalação do regime ditatorial no Brasil. Promovida pelo movimento estudantil, a marcha contou com a presença de intelectuais, artistas, operários e grande parte da população carioca. Suas principais reivindicações foram o restabelecimento das liberdades democráticas, a suspensão da censura à imprensa e um maior apoio ao desenvolvimento da educação no país.

A necessidade de se criar mártires

Você já reparou quantas estátuas e monumentos existem espalhados pelo país? Já procurou saber sobre quem foi aquele personagem esculpido e mantido ali, parado, em uma praça no qual você nem retém o seu tempo de parar ou mesmo contemplá-lo através de um breve olhar? Já pensou porque somos árduos patrióticos ao defender o nome de nosso país em qualquer esporte ou situações que remetam a uma imagem positiva, mas totalmente carentes de um regime político que realmente igualasse as condições de sobrevivência de cada um de nós, nascidos ou não nessa nação?
Vamos ponderar que um instrumento clássico para legitimar um regime político é a ideologia e a justificação racional da organização do poder. Como ponto de partida, voltaremos a um período posterior a saída de Dom Pedro II do Brasil. Com a proclamação da República, três correntes filosóficas disputavam a definição ideológica de governo para o novo regime que se instaurava com o fim da monarquia. Existiam os defensores do liberalismo à americana, os jacobinos à francesa e os positivistas. Durante algum tempo, as três ideologias se combateram nos anos que procederam ao início do processo de transição política no Brasil. Acabou prevalecendo a ideologia de uma nação mantida sob um regime liberalista de governo: uma sociedade composta por indivíduos autônomos cujos interesses eram compatibilizados pela mão invisível do mercado financeiro. O que vale ser discutido é a conscientização de valores sobre a república, estabelecida para uma população fora das elites do poder, e as tentativas para a aplicação desse ato. Ele não poderia ser realizado por meio do discurso, inacessível a um público com um baixo nível intelectual. Deveria ser representado através de sinais bem mais universais e de leitura mais fácil, como imagens, símbolos e a criação de mitos. A importância da criação de um meio de comunicação que atingisse a mais simples das pessoas era necessária para a formulação da imagem do novo regime, cuja finalidade era atingir o imaginário popular para recriá-lo dentro dos valores republicanos.
A elaboração de um imaginário é parte da legitimação de qualquer regime político e é por meio desse canal de comunicação que se podem atingir não somente a mente de uma pessoa, mas também o seu coração. Atingir o coração é atingir as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. Esse imaginário social é constituído por ideologias e utopias que se misturam a uma linguagem simbólica capaz de controlar a opinião e os atos de cada cidadão. O culto a imagem de símbolos e o surgimento de mitos, por possuírem um caráter de leitura menos codificada, tornaram-se elementos poderosos na projeção dos interesses políticos de manipulação em massa.
Para não se tornar uma nação sem memória, uma vertente positivista apoiada por Benjamim Constant visionava uma integração da história através de uma interpretação do passado e do presente, além de uma projeção no futuro, com a construção de monumentos por todo o país. Seus maiores expoentes foram o artista Décio Villares, autor de obras como o monumento dedicado a Benjamim Constant, localizado na Praça da República, e Eduardo de Sá, autor do monumento dedicado a memória de Floriano Peixoto situado na Cinelândia, todos na capital do Rio de Janeiro. Os exemplos citados são discursos que obedecem não somente às idéias políticas ou filosóficas de alguns pensadores, mas provêm uma concepção estética segundo a qual a arte deve ser idealizada a partir da realidade, exaltando o lado afetivo do ser humano e promovendo um culto cívico da família, da pátria e da humanidade.
Sobre a necessidade em se criar mitos, analisaremos a estruturação cultural para a formação de um mártir. A figura do herói representa um símbolo que reflete um grande poder de assimilação no público, tornando-se encarnação das aspirações civis e ponto de referência para a moralidade e unificação popular. Não há um regime que não promova o culto de seus heróis ou não possua um referencial de líderes políticos. Em algumas situações, os heróis surgiram das lutas que precederam a uma nova ordem social, incluindo as lutas armadas ou a realização de feitos relevantes para o engrandecimento da pátria. Em outros, de limitadas abrangências populares como foi o episódio do Restaurante Calabouço, foi necessário um esforço maior de comoção pública que causasse o seu surgimento. O assassinato de um jovem estudante, morto pela polícia em uma manifestação que inicialmente não tinha a intenção de obter uma projeção tão grande, promoveu Edson Luís a essa categoria de salvador da pátria. É nesse contexto de heroísmo que o estudante se encaixa: na falta de um envolvimento real do povo na percepção e assimilação de uma ideologia favorável a causa dos estudantes por meio de uma mobilização simbólica capaz de movimentar toda a sociedade brasileira. Um verdadeiro mártir, de algum modo, deve representar o espírito de luta de um povo. Ele deve responder aos anseios e aspirações coletivas refletindo algum tipo de personalidade ou de comportamento que corresponda a um modelo que seja aceito e respeitado pela população. Não era esse o caso do estudante do Instituto Cooperativo de Ensino. De qualquer maneira, o caso do Restaurante Calabouço teve a sua significância histórica, mas foi preciso a existência de um cadáver, preferencialmente o de um aluno que tivesse sofrido uma morte trágica, para que o mito do herói tomasse forma dentro daquele ambiente de insatisfação política. Indiferente a quem fosse dada a póstuma honra de mártir, bastou o incidente entre os estudantes cariocas e a Polícia Militar para que o Governo Federal adiantasse o processo de criação de uma lei punitiva à insubordinação popular, assustadoramente batizada de AI-5. (CS)

Imagem retirada do site www.google.com