quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Ruy da Costa Val


O ano de 1968 foi marcado pelos movimentos estudantis em quase todo o planeta. As autoridades buscavam conter os vários protestos dos estudantes contra seus governos através do uso da força e de mecanismos de repressão. No Brasil, o regime manteve uma linha dura contra os manifestantes, agindo com punições, cassações, suspensão de direitos políticos, prisões, espancamentos, torturas, desaparecimentos e ocultação de cadáveres, exílio e várias outras atrocidades contra o direito civil.
Durante a Guerra Fria, uma enorme indução norte americana havia se instalado sobre a sociedade brasileira. Essa influência foi percebida em diversas áreas das esferas sociais, como na música, no cinema, na alimentação e no estilo de vida de alguns brasileiros. Mas foi na educação que a ingerência dos Estados Unidos acabou por provocar os estudantes universitários, liderados pelo diretório estudantil da UNE.
Segundo os dirigentes da União Nacional dos Estudantes, o governo brasileiro tinha a intenção de modificar, gradativamente, todas as universidades federais em regime de fundação. Essas mudanças foram uma imposição da Agência de Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID) em cumprimento aos acordos feitos pelo Brasil com a agência. A não concordância com o que fora combinado pelo Ministério da Educação e Cultura e o órgão norte americano foi a principal reivindicação dos estudantes naquele momento.
Após o golpe, o novo governo instaurado pelos militares promulgou uma lei com o objetivo de sufocar qualquer manifestação estudantil. A "Lei Suplicy", do então Ministro da Educação Flávio Suplicy de Lacerda, proibia a participação dos estudantes em questões políticas, suprimindo a liberdade de organização. Na tentativa de manter o controle sobre as ações dos estudantes, a polícia não hesitava em agir com autoritarismo e violência. A Igreja católica, tradicionalmente conservadora, assumiu a defesa dos estudantes e muitos padres eram vistos durante as passeatas e manifestações. Fatos como esses se tornaram comuns na sociedade belo horizontina.
Ao recordar esse tempo, Dona Olga Maria Ferreira da Costa Val, viúva do ex-deputado federal Ruy da Costa Val, membro do partido da ARENA, relembra como era difícil conter o ímpeto estudantil da adolescência pelo regime dos militares. Casada com um político democrata e membro de uma sociedade envolvida e vigiada pelo regime, essa gentil senhora revela os bastidores que antecederam o Ato Institucional nº. 5 em Belo Horizonte e a participação do seu marido na política belo horizontina.
Nascido em seis de setembro de 1924, em Viçosa (MG), Ruy da Costa Val era filho de João Braz da Costa Val e Vicencina Martino Val. O seu pai foi ex-prefeito de Viçosa e juiz de Direito do Estado de Minas Gerais, considerado uma figura de renome na política mineira.
Formado no curso de Direito pela UFMG, em 1949, ingressou na política como vereador exercendo o mandato entre 1955 a 1967 pelo Partido Democrata Cristão (PDC). Durante sua carreira política, Ruy também se filiou ao Partido Republicano (PR), vindo a mudar novamente com a revolução de 1964, quando compôs o partido da Arena. Findado o seu mandato, elegeu-se vereador pelo Partido Democrático Socialista (PDS) anos mais tarde. Como vereador, foi presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte em três legislaturas.
O cargo de deputado federal durou de 1967 a 1971, quando integrou a Comissão de Economia da Câmara. Depois, foi eleito deputado estadual por duas vezes, entre 1971 e 1975 e no período de 1979 a 1982, licenciando-se da legislatura para ocupar a Secretaria do Trabalho e Ação Social no governo de Rondon Pacheco.
A princípio, quase toda a população apoiava o movimento revolucionário movido pelos militares contra o governo de João Goulart. O medo da ameaça comunista gerava inquietações e comentários em todos os locais em que o tema era abordado. Os fortes conflitos de violência na ex-URSS e as notícias de freqüentes fuzilamentos na ilha de Cuba, disseminavam a imagem de um regime autoritarista bem próximo de ser praticado também no Brasil pelos adeptos do comunismo. Assim, quando da tomada do poder pelo Exército, parte da população de Belo Horizonte saiu nas ruas para aplaudir o desfile dos carros do exército e da polícia militar na comemoração da deposição do ex-presidente.
Nos anos que se seguiram, a opinião pública começou a perceber que os métodos usados pelos militares para monitorar o movimento vermelho havia tomado outras proporções. A liberdade de cada cidadão passou a ser cerceada e o movimento estudantil visto como um foco constante da ideologia política comunista.
Segundo Dona Olga Costa Val, durante o ano de 1968, véspera do rigoroso AI-5, pessoas próximas se tornaram espíãs do governo militar e passaram a se infiltrar nas reuniões familiares para saber o que pensavam determinados grupos. Muitos eram antigos conhecidos que informavam ao regime sobre atitudes suspeitas de vários políticos em troca de uma liberdade maior. Não é errado afirmar que essa atitude pode ser chamada de uma delação premiada, onde quem informa recebe uma anistia parcial sobre os próprios atos.
A casa nº. 1.817 situada na rua São Paulo, no bairro de Lourdes, foi palco de muitas reuniões entre os principais políticos da época. A região era habitada por muitos estadistas e pessoas ligadas ao governo de Minas, sendo o ex-governador Hélio Garcia vizinho dos Costa Val. Continuamente, um carro de polícia ficava próximo as imediações da residência amarela, monitorando o que se passava no bairro. Da janela de seu quarto no andar superior, Olga observava a rotina de insegurança que se aproximava ainda mais com a chegada do fim do ano.
Mesmo com as filhas cursando o antigo 2º grau de ensino próximo de casa, a intranqüilidade era sempre visível a cada ida e vinda da viatura. Havia sempre o risco de uma ação militar contra os estudantes. Alunas do Colégio Estadual Central, Maria da Graça e Valéria simpatizavam-se com o movimento estudantil participando, algumas vezes, de passeatas escondidas do próprio pai. Essa pequena mostra de concordância com os ideais estudantis da época era muito perigosa. Muitos sabiam que o pai delas era do governo e uma denúncia colocaria a carreira política dele em perigo. E Dona Olga tinha razão em seus temores. Bastava uma denúncia anônima para que a polícia invadisse qualquer residência, mesmo sendo a denúncia infundada e sem a legitimidade de provas. Essa própria atitude foi usada contra Ruy por seus inimigos políticos, que o denunciaram duas vezes por subversão política. Não tendo o que temer, Costa Val compareceu ao antigo ID 4, localizado na rua Santa Catarina, para prestar esclarecimentos. O órgão faz parte da circunscrição militar do Exército em Belo Horizonte e era comandado pelo general Dióscolo do Vale, um homem tido como linha dura dentro do sistema político da época.
“Eu já tive que pegar o carro e sair dirigindo correndo para ver onde as meninas estavam, pois a polícia estava batendo em todos os estudantes que faziam uma passeata perto do colégio e todo mundo tinha que fugir para não apanhar”, relembra, sorrindo, de como foi difícil criá-las durante o regime.
Ruy da Costa Val era funcionário da Prefeitura Municipal e havia pedido licença do cargo para se eleger vereador na capital. Durante o período que antecedeu as eleições para a Câmara Federal, Costa Val era o presidente da Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte. Incentivado por uma corrente política e por seus eleitores, candidatou-se a cadeira de deputado federal e alcançou, no pleito, a suplência do cargo na Casa. Dois meses antes de ser instaurado o AI-5, um dos deputados foi nomeado para o Tribunal de Contas do Governo, surgindo a vaga para a cadeira principal. Com a promulgação do Ato Institucional e o fechamento do Congresso, ficou mais de um ano sem receber provento financeiro algum, entrando em uma grave crise financeira. Não recebia como deputado e não podia voltar para a Prefeitura por ainda possuir um mandato a ser cumprido.
Dona Olga relembra os dias difíceis: ”(...) passamos muito aperto. As meninas estavam estudando e as contas com a campanha para a Câmara estavam quase todas vencidas. O Ruy teve que vender a casa para honrar os compromissos e cuidar de toda a família. Quando foi reaberto o Congresso, seu mandato já estava quase no final. Ninguém recebeu um centavo enquanto a Casa estava fechada. Esse foi um dos castigos do regime militar contra todos os deputados”.
Durante 1968, no auge do temor comunista, personagens ilustres freqüentavam as festas oferecidas para a sociedade belo horizontina. As celebrações eram pretextos para monitorar a sociedade influente da capital de Minas. Um deles foi o cônsul norte-americano Lawrence Laser. Muitos suspeitavam que ele também fosse membro da CIA infiltrado entre eles, a serviço dos generais e do próprio Estados Unidos para denunciar focos comunistas em Belo Horizonte.
Laser veio para a cidade com o discurso de reunir os democratas e os que eram a favor da democracia. Segundo Dona Olga, “era um rapaz simpático e muito inteligente que freqüentava muito a nossa casa. Ele era casado e possuía uma casa muito boa, onde dava festas para se aproximar das famílias dos políticos daqui”. Entre as curiosidades a respeito do norte-americano estava uma bolsa preta que ele não largava de seu lado. Nunca a abrira na presença de ninguém. A única pessoa em que confiava a guarda da valise era para a esposa do deputado Costa Val, pois acreditava na idoneidade e bom senso de sua anfitriã. Após a instauração do AI-5, ele retornou para o seu país.
Durante os anos de chumbo (1968-1974), sob a tutela do General Emílio Garrastazu Médici, outro cônsul americano começou a freqüentar as rodas políticas e sociais de Belo Horizonte.
Robert Fanbrini tornou-se amigo do deputado Costa Val e de sua família. Celebrando essa amizade, sempre procurava por Ruy com a lista dos políticos que iriam ser caçados pelo regime Médici. Essa atitude proporcionava ao mineiro avisar aos amigos próximos que constavam o nome na lista, dando chance a eles de se defenderem de uma possível cassação ou de um exílio político. Entre os delatados estavam nomes como Gerardo Renault, ex-deputado, e o de Humberto Reis, um atuante político da época.
Além de um político engajado socialmente com seus eleitores e amigos, Ruy da Costa Val também exerceu o magistério, integrando os corpos docentes do Instituto Municipal de Administração e Ciências Contábeis (IMACO) e dos colégios Santo Antônio, Anchieta, Arquidiocesano e Municipal. Como escritor, publicou os trabalhos “O direito inglês e os direitos ocidentais”, “Métodos de pesquisa filosófica”, “Pareceres e votos” e “O problema da gratuidade do mandato de vereador”.
Hoje, quase quarenta anos após a instauração do Ato Institucional nº. 5, Dona Olga da Costa Val continua residindo em Belo Horizonte, agora no bairro da Serra. Da varanda de seu apartamento, comprado pelo marido através de muito sacrifício, nossa ilustre entrevistada faz uma última ponderação sobre a carreira de Ruy: “(...) ele foi um homem que sempre trabalhou para ajudar os outros, inclusive até o próprio América. Uns falavam que ele era doido... eu só sei que ele pensava muito a frente daquele tempo”, concretizou.
Ruy da Costa Val morreu em 22 de agosto de 1991, de septicemia pós-operatória no Hospital Biocor, em Belo Horizonte. O velório ocorreu na Assembléia Legislativa e seu corpo sepultado no cemitério do Bonfim.
Em 24 de março de 1992, o prefeito Eduardo Azeredo inaugurou a Escola Municipal Ruy da Costa Val, localizada na Rua 28 nº. 30, no Conjunto Felicidade, em Belo Horizonte, em justa homenagem ao estadista e político mineiro.

O grande amor pelo América Futebol Clube

Mesmo se dedicando quase que totalmente a política, Ruy da Costa Val não esquecia o seu time do coração e sofria com as dificuldades que o América mineiro passava. Decidiu que poderia fazer alguma coisa e, junto com outros ilustres torcedores, uniram-se para ajudar na superação das dificuldades do clube.
Por ocasião da grande crise financeira por que passava o América Futebol Clube no ano de 1969, alguns torcedores americanos se uniram para tentar salvar a agremiação mineira. Nomes como o de Roberto Prates, Antônio Augusto Coelho, Lísio Juscelino Gonzaga, Roberto Calvo, Pedro Servo e muitos outros, se juntaram ao de Ruy para reorganizarem o clube.
Com o afastamento do presidente Amador de Barros, o Conselho Deliberativo, dirigido por Milton Machado Mourão, resolveu entregar o comando da instituição ao deputado federal Ruy Costa Val, que já defendera as cores do clube como atleta, atuando na posição do antigo arqueiro. Durante as eleições de 1970 para a presidência, Costa Val assumiu definitivamente a condição de presidente eleito.
Enfrentado sérias dificuldades no orçamento financeiro, a diretoria conseguiu manter a base da Taça Belo Horizonte para a disputa do campeonato mineiro do ano de 1971. Sob o comando do técnico Lísio Gonzaga, o popular Biju, o América iniciou uma das campanhas mais bonitas de toda a sua história, lembrada e comentada por todos os torcedores americanos. No final do primeiro turno, o clube era o líder a frente do Cruzeiro, havendo perdido apenas um ponto para o rival durante um empate. Iniciado o returno, uma má notícia invadia a concentração americana: o técnico Biju era obrigado a se afastar por recomendações médicas, assumindo o seu auxiliar Henrique Frade.
Impondo o seu estilo de trabalho, Frade conseguiu manter o mesmo nível técnico do início da competição e a equipe continuou no embalo para a conquista do campeonato. A apreensão final aconteceu na penúltima rodada do torneio, quando um empate com o Fluminense, da cidade de Araguari, dentro do Mineirão, colocava o Cruzeiro empatado em primeiro lugar junto com o Coelho na briga pelo título do estadual. Como a missão do América e da diretoria era superar obstáculos, agiu a voz do presidente. Ruy da Costa Val foi conversar com os atletas para demonstrar o apoio e a credibilidade da diretoria no grupo. Toda a equipe correspondeu a altura ao apelo do dirigente. Não se intimidaram e nem tão pouco perderam a tranqüilidade. Na última rodada derrotaram o Uberlândia, em uma exibição de gala. Empatado em primeiro lugar com o América, o Cruzeiro necessitava de uma vitória sobre o Atlético para se tornar campeão, coisa que não aconteceu. O Galo venceu, confirmando o campeonato ao Coelho. A equipe era formada por Élcio, Batista, Vander, Misael, Cláudio, Pedro Omar, Dirceu Alves, Amauri, Zé Carlos, Jair Bala, Hélio, Valtinho, Zé Horta, Hale, Café, Elter, Edson, Eli, Dario Alegria, Generoso, Antônio Carlos Dias e Emílio.
A campanha no Brasileiro de 1973 foi a melhor que o clube já teve no Nacional. O América chegou em sétimo lugar, comprovando que mudanças significativas tinham sido realizadas no clube pela diretoria.
Uma grande polêmica da gestão de Ruy da Costa Val foi a venda da área situada na avenida Francisco Sales, atual Extra Supermercados, em 1970. No local estava construído o estádio Otacílio Negrão de Lima, chamado na época de Alameda. A venda era uma imposição da grave crise que assolava o clube, ameaçando-o até de fechamento. A desaquisição do patrimônio gerou debates sobre os rumos do América e foi deliberada na Assembléia Geral do clube, órgão máximo legislativo que, depois de uma comissão examinar todos os aspectos da situação financeira da instituição, aprovou a venda do imóvel.
Em termos realísticos, segundo o presidente Costa Val em entrevista ao jornal Estado de Minas na época, o que se verificava era um endividamento cada vez maior através de um déficit mensal crescente. Os títulos protestados passavam de centenas, as folhas de pagamento de atletas e dos funcionários nunca eram saldadas em dia e os fornecedores não recebiam há meses.
Na época, os diretores e o presidente emitiam títulos em seus nomes e se tornavam responsáveis por importâncias muitas vezes acima até de sua capacidade, porque os bancos não mais emprestavam ao América. Poucos sabiam que a metade do campo do Alameda não mais pertencia ao clube, pois havia sido desapropriada pela Prefeitura Municipal, segundo relatou o presidente. Essa parte era exatamente a mais valiosa, pois dava frente para a avenida Francisco Sales. Recuperar o que fora desapropriado passou a ser a grande batalha americana. Além do mais, e por incrível que possa parecer, o clube não era dono legalmente de muitas partes da área que ocupava. No decorrer dos anos, as imediações do Alameda haviam avançado sobre pedaços de terrenos de terceiros. Para legalizar a situação, a diretoria teve que contar com a boa vontade do Estado, lavrando e registrando várias escrituras.
O próprio campo já não era mais aproveitado para jogos e nem para treinos do clube, principalmente por causa de suas pequenas dimensões, não chegando se quer a 100 metros de comprimento. O América vivia, literalmente, debaixo das arquibancadas, onde funcionavam os seus escritórios, vestiários, refeitório e dormitórios dos atletas. As reuniões importantes do Conselho eram sempre realizadas em auditórios emprestados de outras entidades.
Assim como o América, os campos de Atlético e Cruzeiro também não apresentavam condições de uso. O Galo vendeu seu campo e mudou-se para a região da Pampulha. O Cruzeiro, desfrutando de uma fase extraordinária, construiu a Toca da Raposa e sua sede campestre.
Com o dinheiro arrecadado pela venda do imóvel da avenida Francisco Sales, o América comprou o Samarkan Pampulha Hotel, uma área de 20 mil m² localizada na Pampulha, adquiriu o Vale Verde, comprou uma sede social e pagou todas as suas dívidas.
A paixão pelo futebol era tamanha que Ruy da Costa Val foi membro, vice-presidente e secretário do Conselho de Administração do estádio Minas Gerais, além de ocupar o cargo de juiz do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Mineira de Futebol. (CS)

Fotografia cedida do arquivo pessoal da família

A importância do jornalismo de bairro


Durante os anos de 1823 a 1835, existiu no país um jornal chamado O Sentinela da Liberdade que, forçosamente, era produzido dentro das antigas cadeias do Brasil colonial. Não que isso fosse uma característica própria, mas consistia exatamente na localização onde estava detido o seu editor, o inquietante jornalista Cipriano Barata. Diplomado em Matemática, Filosofia e Medicina, passou boa parte da sua vida na prisão. Em cada cárcere criava o seu periódico a favor da independência do país contra a influência da Corte portuguesa. Assim surgiu o nome O Sentinela da Liberdade da Guarita, complementado com a localização da cadeia onde ele estava preso. O ideal jornalístico de Barata estava acima de qualquer impedimento físico, voltado para a informação e conscientização de uma população local que necessitava de esclarecimentos sobre a política e os aspectos sociais que os envolviam. Quase dois séculos após Cipriano Barata ter criado o seu Sentinela da Liberdade, as idéias e os ideais de um jornal voltado para uma população específica e regional continuam prevalecendo nos dias atuais, sob a responsabilidade de profissionais que assimilaram a própria essência do que é praticar jornalismo com responsabilidade social.
No dia 04 de dezembro de 2007, o estudante de jornalismo Wenderson Cardoso apresentou a monografia final para a sua graduação acadêmica pela Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte. Diante de uma banca formada pelo professor-mestre Marcelo Freitas e pelo coordenador do projeto monográfico, o professor-doutor Romildo Raposo, Cardoso defendeu a sua intelectualidade.
Construída sobre uma experiência pessoal de quase 19 anos no segmento jornalismo de bairro, a monografia apresentada trouxe como tema A influência social do Jornal Criart-Vida no combate às drogas na região do Barreiro. Basicamente, refletiu sobre a proximidade do jornal de bairro junto aos problemas e a realidade da comunidade, proporcionando uma oportunidade para que cidadãos carentes sejam ouvidos através de uma espécie de ponte ou elo entre a comunidade e os poderes públicos. No caso específico do Criart-Vida, o jornal – além das características próprias desse modelo de veículo – é direcionado ao combate às drogas que envolvem o comportamento dos dependentes químicos, divulgando programas para se evitar o uso e a conscientização dos malefícios causados por elas. Em suas páginas, o jornal também possui editorias sobre o meio ambiente, responsabilidade social, saúde e outros assuntos voltados para o bem estar da população do Barreiro. A grande dificuldade encontrada por Wenderson Cardoso para a montagem da monografia foi o embasamento teórico, visto que há pouco material didático sobre o assunto. Conforme apurado por ele, a única especialista na área é a pedagoga e psicóloga Beatriz Dornelles, que se especializou nesse segmento na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. As informações para o projeto monográfico foram colhidas através de artigos e trabalhos elaborados por ela. Realizada a monografia, o aspirante a bacharel relembrou os momentos de apreensão diante da banca examinadora. “É muito difícil estar ali e não ficar nervoso. Passava um filme na minha cabeça. Toda a minha vida e todo o meu esforço estavam ali para serem julgados. Graças a Deus que tudo correu muito bem”, sorrindo aliviado pela aprovação de sua obra.
Wenderson Cardoso, desde o ano de 2000, participa como proprietário de um jornal de bairro, o Imprensa Global. Segundo afirma, “o jornal de bairro não é seu. Você junta com pessoas que dividem essa mesma ideologia do jornalismo de bairro e constrói a imagem do veículo. Por isso que apenas ‘participo’ da direção do jornal”, enfatiza. Cardoso ingressou na faculdade em 2004 para ter o direito de exercer o jornalismo de forma reconhecidamente acadêmica, já que possui o registro profissional mantido através de liminar judicial.
De auxiliar de necropsia a jornalista, Wenderson Cardoso pode ser comparado a uma espécie de Cipriano Barata do século XXI, com exceção do envolvimento com o cárcere ou com débitos judiciais. Assim como o próprio, também é formado em Ciências Físicas, Químicas e Biológicas. Essa qualificação proporcionou exercer a profissão de professor de Matemática, Física, Química e Biologia pelo Estado de Minas Gerais. Além de educador, Wenderson Cardoso formou-se em mecânico de aviões pela Polimig, chegando a trabalhar como especialista em estrutura de aviões em elétrica, eletrônica e pneumática para aeronaves. Também possui curso de aviador e brevê de piloto.
Após o falecimento do seu pai, Cardoso desistiu da carreira na aviação e passou a se dedicar ao cinema. Na nova empreitada, formou-se em roteirista e diretor cinematográfico, tendo produzido três curtas-metragens.
A primeira oportunidade em um jornal que não fosse administrado por ele mesmo aconteceu no Edição do Brasil. Ao ler uma placa na rua com os dizeres “Edição do Brasil: Jornal de Clube” teve logo o insight de entrar e ver como era a redação. Atendido pelo jornalista Arthur Ferreira, pediu logo uma oportunidade para fazer um estágio, já que estava matriculado e estudando o segundo período de jornalismo na Faculdade Estácio de Sá. Como já esperava, foi aprovado em um teste prático e passou a assinar matérias para o veículo. Atualmente, Wenderson Cardoso é proprietário da agência de notícias Newsmaker Brasil e editor responsável pelo jornal Minas Editorial, veiculado em 20 cidades do estado de Minas Gerais.
Sobre a conclusão do curso de jornalismo, Cardoso é categórico: “a faculdade não faz um jornalista. Ele é um profissional por essência. O fascínio pelo jornalismo já está dentro dele, corre em suas veias. A faculdade apenas oferece o suporte técnico e ideológico para ele se aperfeiçoar sob um modelo ético de praticar o jornalismo de forma profissional”, analisa, refletindo como exemplo, a própria experiência adquirida com os jornais de bairro que produziu.
(CS)

Fotografia: Claudinei Souza