segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Um planeta, dois sistemas e vários muros. O que mudou com o fim da Guerra Fria

Duas décadas após a Queda do Muro de Berlim, comemorado no último dia 09 do mês de novembro, muito se comentou na imprensa internacional sobre a importância histórica da mudança libertária ocorrida no território alemão - e no Leste europeu - que promulgou ficticiamente o fim definitivo da Guerra Fria e do bipolarismo da ordem econômica mundial, administrador de dois sistemas financeiros que, após a II Guerra Mundial, dominaram o mundo.
O famoso Berliner Mauer foi uma barreira de concreto construída pela República Democrática Alemã, batizada como Alemanha Oriental, que dividia toda a cidade de Berlim em duas partes territoriais: o lado ocidental e o lado oriental. Esta muralha, além de dividi-la ao meio, também simbolizava a divisão do mundo em duas esferas ideológico-financeiras: uma parte - representada pela República Federal da Alemanha (RFA), era constituída pelos países de ideologia capitalista apoiadores do sistema norte-americano e a outra, denominada República Democrática Alemã (RDA), seguia uma orientação socialista, simpatizantes do regime soviético.
Com a primeira fileira de pedras se estendendo pela cidade, ficava claro que o Alto Comando Soviético não se importava com a imagem negativa do sistema socialista alemão para o restante do mundo.
O projeto idealizado para a criação da barreira era uma aberração arquitetônica que denunciava o modelo de estética kitsch - cinzenta, burra e tosca - do comunismo soviético, ao mesmo tempo em que expunha a absoluta insensibilidade das suas autoridades maiores quanto aos interesses sociais da população alemã.
Erguido à partir da madrugada de 13 de agosto de 1961, o monumento se estendia por 155 km incluindo 302 torres de observação, 127 redes metálicas eletrificadas com alarme e 255 pistas de corrida para que ferozes cães de guarda evitassem e capturassem qualquer cidadão que tentasse transpô-lo. Somente na região metropolitana de Berlim, o Muro apresentava mais de 43 km de comprimento com trechos de até 4,2 m de altura.
Ao longo de seu trajeto pela cidade, ele interrompia oito linhas de trens urbanos, quatro de metrô e 193 ruas e avenidas. Completando o bloqueio, a grande muralha alemã atravessava, ainda, 24 km de rios e cruzava mais 30 km de bosques.
A área da fronteira tinha 100 metros de largura com vários tipos de obstáculos montados no perímetro, chamada alusoriamente de "faixa da morte" pela população local e também pelos guardas da patrulha fronteiriça. Nela se encontravam 20 bunkers - instalações antiaéreas subterrâneas - e 260 canis. Atrás da divisa havia uma segunda barreira, com cercas de arame farpado e trincheiras antiveículos. Holofotes, cães de guarda e minas terrestres completavam o esquema de segurança, tornando a construção uma fortaleza praticamente intransponível.
Muitos tentaram atravessá-la apesar do risco de morte. Os estratagemas utilizados pelos desertores foram os mais diversos, desde a escavação de túneis através da cidade, o uso de caminhões pesados para romperem os obstáculos e de pequenos veículos que pudessem passar por debaixo das traves de obstrução, a utilização de barcos, ultraleves, balões e até mesmo de aviões de fabricação caseira. Também haviam aqueles que conseguiram fugir de trem, ou simplesmente conseguiram a liberação da passagem através da falsificação de documentos. Outra artimanha utilizada pela população oriental foi o uso do transporte através de veículos preparados para esconder pessoas.
Foram gastos aproximadamente 870 milhões de marcos para erguer o gigantesco muro de concreto e as demais instalações na fronteira. Apesar da magnitude, muito maior era a fronteira interalemã, isto é, entre a República Federal da Alemanha (RFA) e a República Democrática Alemã (RDA), montada pelo regime comunista. Ela somava 1.400 km, indo da baía de Lübeck, no norte, até Hof, no sul, na fronteira com a Tchecoslováquia.
Segundo dados divulgados por órgãos humanitários internacionais, foram reconhecidas e identificadas a morte de 80 pessoas, além de 112 feridas e de milhares aprisionadas nas diversas e inusitadas tentativas de travessias para o lado ocidental do país.
Mas, não pode-se assegurar que estes números sejam totalmente confiáveis sobre a quantidade específica de pessoas mortas durante a transposição, pois indicações contraditórias quanto a esses dados eram divulgados sob a garantia de serem verídicos pelo governo oriental, mantendo a administração da RDA um impedimento sistemático quanto a esse tipo de informação.
Antes mesmo da construção do Muro, aproximadamente 3,5 milhões de alemães orientais já haviam deixado a região leste europeia, seguindo para o lado ocidental, à procura de melhores condições de vida após a II Guerra.
Durante sua existência, entre 1961 e 1989, o Muro de Berlim quase que parou todos os movimentos de emigração na Europa, separando a Alemanha Oriental de Berlim Ocidental por quase três décadas. A sua decadência e queda ocorreu devido a uma onda revolucionária de independência que se espalhou através do Bloco do Leste, forçando o governo da RDA, sob orientação da ex-União Soviética, a anunciar a abertura das barreiras físicas que proibiam o trânsito de civis pelo território alemão no dia 9 de novembro de 1989, encerrando várias semanas de pequenos e incessantes distúrbios oriundos da população exausta de seu apartheid.
Multidões de alemães e estrangeiros atravessaram a muralha confraternizando-se aos compatriotas do outro lado, em uma atmosfera de celebração que durou semanas. Parte da arcaica alvenaria foi destruída por um público eufórico e ávido em guardar um pedaço da história como souvenir.
A barreira, contudo, só seria efetivamente destruída em 13 de junho do ano seguinte, quando o governo alemão encerrou as obras de demolição, consumindo seis meses de exaustivos trabalhos. Alguns pedaços, contudo, são mantidos e hoje fazem parte do patrimônio histórico de Berlim.
A queda do Muro abriu o caminho para a reunificação alemã, formalmente celebrada em 3 de outubro de 1990. Os historiadores apontam este momento como o fim da Guerra Fria e o fechamento da Cortina de Ferro.

Uma viagem no tempo

Os antecedentes que propuseram a criação do Muro de Berlim podem ser observados durante os preparativos para a reconstrução da Europa, após o fim da II Guerra Mundial, com a derrota do idealismo nazista pelos Aliados.
A cidade de Berlim fora conquistada pelo Exército Vermelho em maio de 1945, durante intensos combates contra as forças do regime do Führer. Segundo um acordo firmado entre os países Aliados, acertado pelo Tratado de Yalta e confirmado pelo de Potsdam (entre 1944 - 1945), não importava qual nação chegasse em primeiro ao centro da capital do III Reich. Deveria, ela, comprometer-se em dividi-la com os demais aliados.
Assim, apesar dos soviéticos tomarem antes a cidade, e também um expressivo território ao seu redor, foram obrigados em manter a palavra acordada e ceder parte da Alemanha para os outros três membros da vitoriosa aliança militar.
A partir de 8 de maio de 1945, após o conflito mundial na Europa, o território da ex-Alemanha nazista passou a ser administrado através de quatro zonas de ocupação militar: a russa (majoritária), a americana, a inglesa e a francesa. Mais tarde, em 1948, as quatro zonas reduziram-se a apenas duas: a soviética e a ocidental.
A capital, Berlim, enquanto sede do Conselho de Controle Aliado, fora igualmente dividida em quatro setores, mesmo estando a cidade situada no interior da zona denominada soviética. A aparente partilha causou algumas divisões entre os soviéticos e as outras potências de ocupação, causando situações contrárias ao bem estar do povo alemão.
Um exemplo claro dessa divergência foi a escolha sobre o futuro político-social da Alemanha. A recusa da ex-URSS aos planos de reconstrução para o país visando a sua auto-suficiência e futura independência administrativa, proposto pelos Estados Unidos, Reino Unido e a França, não eram bem vistos pelo lado comunista, principalmente se fossem aplicados em sua jurisprudência.
Para contornar a delicada situação, os Aliados e os países apoiadores do capitalismo se reuniram para transformar as zonas não-soviéticas do país em zonas de reconstrução, apoiadas pelo Plano Marshall, criado pelos Estados Unidos com o objetivo de reconstruir a Europa.
Em retaliação, o líder comunista Joseph Stalin articulou uma barreira protetora da ex-União Soviética em todas as nações controladas em sua fronteira ocidental, o chamado Bloco do Leste, que incluía a Polônia, a Hungria e a Tchecoslováquia. A intenção de Stalin era manter o controle político da extinta URSS no território alemão visando a expansão da ideologia socialista para o resto do continente.
Prova disso, segundo os historiadores, foram as conversas do líder soviético aos mandatários alemães comunistas sobre as ações do governo de Moscou em relação à postura a ser tomada dali em diante, isso em 1945.
A proposta era enfraquecer lentamente a posição do Reino Unido em sua zona de ocupação, forçando também os Estados Unidos a retirar-se dentro de, no máximo, dois anos. A utopia era a de que, assim, nada impediria uma Alemanha novamente fortificada e sob o controle de um regime comunista totalmente gerenciado pela ex-URSS. Para isso, deveria o Partido Comunista, na zona soviética alemã, abafar a imagem doutrinária das diretrizes propostas pelo regime de Moscou, fingindo serem - as mudanças - obras de iniciativa própria da população. Nesse mesmo período, Stalin privatizou a propriedade e a indústria nas zonas de ocupação soviética.
Em 1948, após desentendimentos sobre a reconstrução física do território e a criação de uma nova moeda no país, o governo soviético institui uma sanção contra os seus antigos Aliados. Por determinação de Stalin, ficava a cidade de Berlim impedida de receber, por via terrestre, qualquer ajuda que pudesse chegar vinda da parte ocidental, incluindo alimentos, materiais e suprimentos - o chamado Bloqueio de Berlim.
Todas as estradas de rodagem e de ferro que ligavam Berlim com a Alemanha Ocidental foram então fechadas pelos soviéticos, na tentativa de fazer com que os aliados ocidentais desistissem da sua parte na cidade. A intenção da ação comunista era mais ou menos assim: ou saíam ou os berlinenses morreriam de fome e frio.
A opção norte-americana e de seus aliados - incluindo o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, foi lançar mão de uma ponte aérea, a Berlin Airlift, que durou onze meses - de 25 de junho a 12 de maio de 1949 - transportando milhares de toneladas de alimentos utilizando os aeroportos ainda intactos no país, mantendo os moradores da região alimentados e aquecidos.
Haviam, aproximadamente, 2,5 milhões de habitantes que estavam completamente isolados de qualquer ajuda estrangeira vinda por terra. Aviões C-47 e C-54 transportavam alimentos, carvão, gás e combustível para a sustentabilidade das zonas de ocupação militarizadas. Aproximadamente 30 mil homens das Forças Armadas dos EUA estiveram envolvidos na operação, incluindo o contingente da Marinha e do Exército.
Segundo declarações de pessoas que participaram da operação e de ex-militares norte-americanos em uma entrevista recente a uma emissora de TV dos Estados Unidos, haviam quase 350 aviões empregados na missão humanitária de Berlim. Alguns deles caíram no solo alemão durante os 11 meses que perduraram o Bloqueio, e dezenas de americanos e britânicos perderam a vida tentando manter a cidade abastecida. Os soviéticos ainda voavam próximos aos aviões cargueiros ou davam tiros ao ar, intimidando ou atrapalhando as viagens de abastecimento.
Além do Bloqueio à cidade, o regime soviético idealizou uma campanha pública contra a mudança política no lado ocidental, incitando que cidadãos adeptos ao comunismo tentassem perturbar as eleições de 1948, enquanto que 300 mil berlinenses pediam a volta do transporte aéreo internacional e da ajuda humanitária.
Em 1949, Stalin desistiu do bloqueio permitindo a retomada dos embarques para o ocidente de Berlim e do uso da malha ferroviária na região. A República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) foi proclamada em 7 de outubro de 1949, tendo o Ministério de Negócios Estrangeiros Soviético concedido a autoridade administrativa na Alemanha Oriental, mas não sua autonomia política. Os soviéticos continuariam possuindo o poder político e ideológico no território ocupado e nas estruturas administrativas, além do controle sobre a polícia e a agência secreta.
A parte ocidental (RFA) desenvolveu-se como um país capitalista e com uma economia social de mercado - em alemão "soziale marktwirtschaft" - sob a direção de um governo de orientação democrática parlamentar. O crescimento econômico contínuo a partir de 1950 manteve a esperança de melhores condições de vida no lado ocidental, promovendo um "milagre econômico" de 20 anos ("wirtschaftswunder")
Enquanto a economia da Alemanha Ocidental crescia e o padrão de vida melhorava, muitos alemães orientais tentavam ir para aquela parte do território, fugindo do inóspito e pouco oportuno lado soviético. A maioria delas aspiravam à independência e queriam a saída da URSS da Alemanha.

A construção do muro

Os planos para a construção do Muro eram um segredo do governo da RDA. Apenas alguns meses anteriores à sua inicialização física foram divulgados indícios de que algo seria colocado em prática para evitar a evasão de civis para Berlim Ocidental.
Walter Ulbricht, então líder da RDA, disse em uma coletiva à imprensa a seguinte resposta quando foi questionado por uma jornalista da Alemanha Ocidental sobre o assunto da migração civil:
"Vou interpretar a sua pergunta da maneira que na Alemanha Ocidental existem pessoas que desejam que nós mobilizemos os trabalhadores da capital da RDA para construir um muro. Eu não sei nada sobre tais planos, sei que os trabalhadores na capital estão ocupados principalmente com a construção de apartamentos e que suas capacidades são inteiramente utilizadas. Ninguém tem a intenção de construir um muro!"
O mandatário socialista foi o primeiro político a referir-se a um muro, dois meses antes da sua construção.
As declarações de Ulbricht confirmavam, parcialmente, as informações recebidas pelos governos ocidentais sobre as medidas drásticas que seriam colocadas em prática pelo governo oriental, especuladas pelos serviços secretos. Sabia-se que W. Ulbricht havia pedido ao seu colega Nikita Khrushchov, em uma conferência dos Estados do Pacto de Varsóvia, a permissão de bloquear todas as fronteiras de acesso à Berlim Ocidental, incluindo todas as vias de transporte público.
Após essa reunião, anunciou-se que os membros do Pacto de Varsóvia intentassem "inibir os atos de perturbação na fronteira de Berlim Ocidental", e que fossem colocadas propostas que implementassem uma guarda e um controle efetivo das divisas territoriais.
Durante os dias 11, 12 e 13 de agosto de 1961, a Volkskammer confirmou as solicitações daquela conferência, autorizando o Conselho dos Ministros a tomar as medidas necessárias para a contenção do trânsito de pessoas para as zonas de ocupação vizinhas. Foram utilizadas o uso das Forças Armadas para a proteção da fronteira e a instalação de gradis para a fortificação das barreiras.
Na madrugada do dia 13, as conexões de trânsito à Berlim foram suspensas pelo governo local, apoiadas pelas forças soviéticas, nos pontos fronteiriços para os setores ocidentais.

As Reações

No mesmo dia, o chanceler da Alemanha Ocidental, Konrad Adenauer, pronunciou-se à população pelo rádio, pedindo calma e anunciando reações que ainda seriam definidas e implantadas junto com os países aliados.
O prefeito de Berlim, Willy Brandt, protestou, obviamente sem sucesso, contra a construção de um muro divisório dentro da cidade.
No dia 16 de agosto de 1961 houve, ainda, um protesto que reuniu aproximadamente 300.000 pessoas em frente do Schöneberger Rathaus, na Berlim Ocidental, segundo os relatos da época. Brandt discursou energicamente, mas a construção do Muro de Berlim já era um fato consumado. Ainda em 1961, fundou-se na cidade de Salzgitter, a Zentrale Erfassungsstelle der Landesjustizverwaltungen, entidade cuja proposta era documentar as possíveis violações dos direitos humanos no território da Alemanha Oriental.
A reação dos Aliados veio com uma grande demora. Somente 24 horas depois de iniciada a construção do muro começaram a aparecer as primeiras patrulhas de fronteiras, oriundas do lado ocidental. O protesto oficial do governo e dos Aliados contra a ação abrupta da administração da zona oriental demorou 72 horas para chegar à capital da ex-URSS, Moscou. Esses atrasos causaram rumores de que a União Soviética havia feito um acordo junto aos países aliados de não afetar ou intervir em seus direitos administrativos na parte ocidental da cidade de Berlim.
Relembrando o antigo Bloqueio da metrópole, os Aliados sempre consideraram o território ocidental vulnerável e a construção dessa barreira justificava tal temor.
O presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, assim resumiu a sua opinião: "A solução não é muito linda, mas mil vezes melhor do que uma guerra".
Já o primeiro-ministro britânico, Harold Macmillan, limitou-se a dizer que "os alemães orientais pararam o fluxo de refugiados e desculpam-se com uma cortina de ferro que não é ilegal".
Apesar das declarações sem consistência de seu presidente, os EUA apoiavam a ideia da cidade de Berlim livre e, para manter a autonomia do país - e a sua própria dentro da Alemanha, mandou alguns contingentes de suas forças armadas como tropas suplementares, além de voltar à ativa o comando do general Lucius D. Clay para as ações do exército na região.
No dia 19 de agosto de 1961, chegavam à cidade de Berlim, Clay e o vice-presidente norte-americano, Lyndon B. Johnson. A intenção era protestar formalmente contra o chefe do estado da RDA, Walter Ulbricht, sobre as suas declarações quanto ao controle das polícias, oficiais e empregados dos aliados ocidentais pelas polícias popular e fronteiriça da Alemanha Oriental. Para contornar o incômodo das palavras e das intenções ditas por Ulbricht, o comando soviético na RDA mediou a situação pedindo moderação do governo oriental na cidade. O único incidente que ocorreria entre as forças de ocupação não levou a nenhum resultado catastrófico capaz de gerar uma nova guerra, graças à Deus!
No dia 27 de outubro de 1961 houve uma confrontação perigosa entre tanques dos EUA e os blindados soviéticos, próximos ao ponto de fronteira chamado Checkpoint Charlie, localizado na rua Friedrichstrasse. Dez veículos norte-americanos enfrentaram dez tanques soviéticos, mas todos os envolvidos retiraram-se no dia seguinte, por ordem dos seus comandos.
As duas forças não queriam deixar eclodir a tão perigosa Guerra Fria, o que terminaria de destruir a Europa e o resto do planeta. Ambas as superpotências já possuíam, em seu arsenal bélico, as temidas bombas atômicas utilizadas para destruírem as cidades de Nagasaki e Hiroshima, na península do Japão, ato que pôs fim ao conflito da II Guerra Mundial.
Haviam oito passagens de fronteira entre Berlim Oriental e Ocidental, o que permitia o trânsito dos cidadãos alemães, estrangeiros ocidentais e funcionários dos aliados na zona soviética, bem como as visitas de pessoas de outros países socialistas na cidade, desde que possuíssem as devidas permissões necessárias para a permanência no território ocupado.
A mais famosa passagem foi o ponto de verificação de pedestres nas esquinas da Friedrichstrasse com a Zimmerstrasse, americanamente chamada de Checkpoint Charlie, limitada aos funcionários dos países aliados e estrangeiros.
Quatro estradas ligavam Berlim à Alemanha Ocidental. A maior e mais importante era a rodovia Helmstedt, que entrava pelo território alemão entre as cidades de Helmstedt e Marienborn (chamada militarmente de Checkpoint Alpha). A sua localização geográfica permitia a rota terrestre mais curta entre a parte ocidental e a cidade. Além desta, havia ainda o Checkpoint Bravo (em Dreilinden, no sudoeste da cidade de Wannsee).
O acesso a Berlim Ocidental também era possível pelo transporte ferroviário, através de quatro linhas, e de barco, através dos canais e rios que cortam a Alemanha.

As tentativas de fuga para o Ocidente

Durante os 28 anos da existência do Muro de Berlim houve várias tentativas de transposição da sombria barreira, idealizada pelo regime soviético, para conter a migração de cidadãos para a parte ocidental do país.
Como disse anteriormente, não existem números confiáveis sobre a quantidade de pessoas mortas durante a travessia, pois as indicações são contraditórias quanto a tais dados, divulgados também pelo regime socialista, com a garantia de serem tais números oficiais e verdadeiros.
Os casos mais famosos foram os de Peter Fechter, Günter Litfin e Winfried Freudenberg.
No dia 17 de agosto de 1961, o pedreiro Fechter, então com 18 anos de idade, entrou para a história como a primeira vítima do Muro de Berlim e, provavelmente, a mais famosa. Ao tentar atravessar a fronteira entre as duas Alemanhas, na rua Zimmerstrasse, foi alvejado pelas costas e morreu no local, sem que os guardas da fronteira ocidental pudessem socorrê-lo.
Günter Litfin foi a segunda vítima da polícia de fronteira da RDA. No dia 24 de agosto do mesmo ano, foi alvejado e morto em sua tentativa de fuga. O alfaiate Litfin, morador do bairro de Weissensee, havia comprado um apartamento do lado ocidental de Berlim mas, antes mesmo de se mudar, viu-se impedido pelas cercas farpadas e blocos de concreto colocados pelo regime comunista da parte oriental. Decidido em realizar o seu sonho de melhorias, alcançou um pequeno porto no rio Spree. O seu plano era nadar através de um pequeno canal que se ramificava em um determinado trecho do rio. Porém, após cruzar a ponte ferroviária que constitui a fronteira, Litfin foi descoberto por agentes da polícia de transporte e foi orientado a nadar de volta à margem. Segundo testemunhas, ele ergueu as mãos da água e, em seguida, foi baleado mortalmente por um dos soldados da patrulha.
O último incidente fatal ocorreu no dia 8 de março de 1989, apenas oito meses antes da derrubada do famigerado muro da discórdia. Winfried Freudenberg, de 32 anos, morreu na queda de seu balão à gás de fabricação caseira, quando tentava transpor o muro.
Às 7:30 daquela manhã, ele caiu no jardim de uma casa no subúrbio de Zehlendorf, sob causas desconhecidas. Os restos do balão ficaram sobre a calçada da rua, enquanto que o corpo de Freudenberg foi encontrado horas mais tarde a vários quarteirões de distância do local do acidente. O piloto, evidentemente, teve morte instantânea devido à queda de aproximadamente 2.000 metros de altura.
Estimativas dão conta de que, na Alemanha Oriental, aproximadamente 75.000 pessoas foram acusadas de desertoras da República por tentarem evadir para a outra metade do país. Tal crime, segundo o artigo §213 do código penal da RDA, era punido com até dois anos de prisão. Para as pessoas armadas, os membros das Forças Armadas ou as pessoas que transportavam e sabiam de segredos nacionais, a pena era severamente aumentada para cinco anos de reclusão em regime fechado.
Também houve baixas pelo lado da guarda fronteiriça oriental em incidentes para a contenção do fluxo no muro. A vítima mais conhecida foi o soldado Reinhold Huhn, abatido em 18 de junho de 1962 em uma tentativa de fuga de civis para Berlim Ocidental. Huhn foi morto por um fluchthelfer - pessoas que ajudavam cidadãos do Leste a transpor a fronteira ilegalmente -, tipo os coyotes mexicanos na fronteira com os Estados Unidos. O suspeito do homicídio foi o alemão Rudolf Muller, acusado de tentar escavar um túnel de fuga na fronteira e de disparar duas vezes contra a patrulha oriental, causando a morte de Reinhold quando tentava abordá-lo.
Além dos casos mencionados acima, existem alguns que ficaram memoráveis pela forma como ocorreram. Os mais curiosos envolvem situações que retratam como era a vida da população alemã próxima à fronteira e a dificuldade exigida para a transposição do Muro. Por ordem cronológica, lembrarei alguns:
Em 24 de janeiro de 1962, 28 pessoas fugiram através de uma galeria subterrânea escavada no porão de uma casa próxima a fronteira, na cidade de Oranienstrasse, no Ocidente. Este foi o primeiro dos muitos túneis de fuga construídos próximos à fronteira;
No dia 8 de junho de 1962, 14 alemães orientais sequestraram um barco de passageiros no Spree, atravessando a fronteira pelo rio sob um forte tiroteio da patrulha da RDA;
Apesar de ameaçadora, uma metralhadora não pode deter um ônibus blindado que cruzou em disparada o posto de controle Drewitz/Dreilindern, transportando duas famílias. Isto um dia após o Natal de 1962;
Em 5 de outubro de 1964, 57 homens, mulheres e crianças rastejaram por mais de 150 metros em um túnel ligando a Strelitzer Strasse à Bernauer Strasse, em Wedding. Na fuga, um soldado foi morto a tiros. Entre os que ajudaram a organizar a fuga, estava Reinhard Furrer, que mais tarde se tornou astronauta;
No dia 29 de agosto de 1986, durante a calada da noite, três moradores da Berlim Oriental irromperam a fronteira no Checkpoint Charlie dirigindo um caminhão carregado de pedras;
O último fato inusitado ocorreu no dia 26 de maio de 1989 bem em frente ao prédio do Reichstag, o Parlamento Alemão. Situado no limite da fronteira, mas já do lado ocidental, dois ultraleves aterrissaram com um fugitivo de 34 anos de idade e as pessoas que o ajudaram na fuga.
Todos estes incidentes foram utilizados pela RDA para difundir a sua propaganda ideológica e, posteriormente, tentar justificar a necessidade da construção do Muro de Berlim e a manutenção de seu rigor.
Sobre os processos judiciais, a respeito de se atirar em todas as pessoas que tentaram cruzar o Muro entre 1961 e 1989, estes demoraram até o ano de 2004.
Entre os acusados estavam o presidente do Conselho de Estado, Erich Honecker, o seu sucessor, Egon Krenz e os membros do Conselho Nacional de Defesa, Erich Mielke, Willi Stoph, Heinz Kessler, Fritz Streletz e Hans Albrecht. Também foram indiciados alguns generais do regime comunista na Alemanha, como o chefe das forças fronteiriças, Klaus-Dieter Baumgarten e vários soldados que integravam o Exército Popular Nacional (NVA), além de outros das forças de patrulhamento das fronteiras da RDA.
Sobre o resultado dos processos contra os denunciados, 11 dos acusados foram condenados à prisão, 44 foram condenados a uma pena suspensa sob condicional e 35 deles foram absolvidos. Entre estes, Albrecht, Streletz e Kessler foram condenados a vários anos de prisão. O último processo foi concluído no dia 9 de Novembro de 2004, exatamente 15 anos depois da derrubada do Muro, com uma sentença condenatória.

"Mr. Gorbatchev, tear down this wall!"

Em visita comemorativa ao 750º aniversário da cidade de Berlim, festejado no dia 12 de junho de 1987, o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, em seu discurso à frente do famoso Portão de Brandemburgo, desafiou Mikhail Gorbatchev - então Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética - a derrubar o Muro como um símbolo da crescente liberdade desejada pelos cidadãos do Bloco do Leste. Seu discurso foi dito assim:
"Damos as boas-vindas à mudança e à abertura, pois acreditamos que a liberdade e segurança caminham juntos, que o progresso da liberdade humana só pode reforçar a causa da paz no mundo. Há um sinal de que os soviéticos podem fazer que seria inconfundível, que faria avançar dramaticamente a causa da liberdade e da paz. Secretário Geral Gorbatchev, se você procura a paz, se você procura prosperidade para a União Soviética e a Europa Oriental, se você procurar a liberalização, venha aqui para este portão. Sr. Gorbatchev, abra o portão. Sr. Gorbatchev, derrube esse muro!"

O fim do Muro

A muralha de Berlim começou a ser destruída na noite de 9 de novembro de 1989, depois de 28 anos de sua existência, encerrando o apartheid imposto pelo comando socialista na zona de ocupação destinada aos soviéticos. O impulso que faltava para a sua retirada da capital alemã ocorreu graças a um mal entendido, ou melhor, a uma "falha de comunicação" entre os próprios membros do governo da RDA.
Na tarde daquele dia, houve uma coletiva com a Imprensa - transmitida ao vivo pela televisão alemã-oriental - onde o porta-voz do Politburo (o Partido Comunista), Günter Schabowski, anunciou uma decisão do Conselho dos Ministros de abolir imediatamente e completamente as restrições quanto às viagens direcionadas ao ocidente através da barreira. Esta decisão deveria ser publicada apenas no dia seguinte, o que daria tempo para informar a todas as agências governamentais.
Pouco depois do anúncio permitindo a abertura do Muro, milhares de pessoas se direcionaram aos postos fronteiriços e tentaram atravessá-lo. O clamor pela liberdade e pelo direito de ir e vir, negados até aquele momento, transformaram as unidades de controles em verdadeiros formigueiros humanos.
Nem as unidades militares, nem as unidades de controle de passaportes haviam sido instruídas por seus superiores quanto ao que fazer até aquele instante. Por causa da força da multidão, e porque nada mais se podia fazer, a fronteira abriu-se no posto de Bornholmer Strabe, às 23 horas, e mais tarde em outras partes do centro de Berlim, além da fronteira ocidental.
Como muitas pessoas já haviam adormecido quando deu-se a abertura da fronteira para o "novo mundo do consumo", somente ao amanhecer puderam se certificar que a Cortina havia sido encerrada.
Os cidadãos da RDA foram recebidos com grande euforia em Berlim Ocidental. Boates e casas noturnas próximas ao Muro serviram bebidas gratuitas aos compatriotas berlinenses em uma grande festa que ocorreu durante várias horas na rua Kurfürstendamm. Pessoas que nunca haviam se conhecido pessoalmente tiveram a oportunidade de fazê-lo. Outras, de Berlim Ocidental, escalavam o muro e comemoravam às portas de Brandemburgo, até então proibidas aos ocidentais. O Bundestag interrompeu as discussões sobre o orçamento, e os deputados espontaneamente cantaram o hino nacional da Alemanha.

Um pouco mais sobre a Alemanha

Refletindo mais um pouco sobre o Muro de Berlim e a Alemanha derrotada, vejo que a construção da barreira separatista - incluindo a ordem militar das autoridades superiores comunistas, "respaldada" pelo dever patriótico de alvejar qualquer cidadão que irregularmente tentasse transpô-la e valendo-se assim do dever de matar qualquer um que se aproximasse de seu perímetro com "más intenções" contra a ordem pré-estabelecida -, foi simplesmente a declaração física do fracasso do socialismo real.
Essa lógica tão vil e burocrática sobre o isolamento de Berlim, seguindo o enclausuramento dos alemães orientais, foi uma ação tão hostil quanto a manutenção dos campos de concentração nazistas, verdadeiras masmorras readaptadas ao século XX, anos anteriores à ocupação estrangeira.
Tudo começou em 1952, quando a Zonengrenze (a fronteira entre as duas Alemanhas) foi definitivamente fechada. À partir daquele momento, os soviéticos só permitiram o fluxo de pessoas - de um lado para o outro do território alemão, em apenas alguns poucos postos de controle de estrangeiros definidos na cidade de Berlim. Para relembrarmos sobre a situação política na Alemanha, a RFA, de tendência pró-ocidental, tinha como sede administrativa a cidade de Bonn, enquanto a RDA, pró-soviética, possuía a sua sede em Berlim.
Com a total repressão e subjugação do levante dos trabalhadores da parte oriental da cidade contra a ocupação russa, fato ocorrido em 17 de junho de 1953, o governo comunista alemão passou a exigir dos ocidentais um passe especial para poderem circular do lado oriental.
Lembram-se da imposição do comando nazista para que todos os judeus capturados utilizassem uma estrela amarela presa ao peito durante o III Reich - a famosa Estrela de Davi, símbolo atual da bandeira nacional de Israel - para inferiorizá-los e declará-los banidos da raça humana? O tal símbolo geométrico que os rotulavam como elementos que nunca poderiam ostentar a humildade de serem declarados, também, filhos de Deus?
Será que essa atitude, talvez uma vingança ariana enrustida através de um sentimento antissemitista para a exclusão social e carnal, algo remanescido da antiga época aramaica de Cristo, foi a melhor opção naquele momento pós-guerra? Mesmo com a constatação real da existência de um antigo holocausto naquela região?
Determinantemente, os próximos "judeus" agora seriam os alemães orientais!
Em 1957, o cerceamento dos "westi" (os alemães orientais) ampliou-se após a adoção de normas e punições mais severas, que alcançavam à restrição de até três anos de reclusão à cadeia pública aos que tentassem deixar o lado socialista sem a devida permissão do governo da RDA.
Com o erguimento de uma muralha antifuga pelo então regime comunista, a impressão que tenho sobre a realidade da população cativa, à época, era a de que eles foram governados, de 1933 até 1953, por dois dos maiores tiranos que o mundo já conheceu durante o século XX, a temida dupla Adolf Hitler e Josef Stalin, e que continuavam sendo tratados como os únicos punidos pela derrota alemã na II Guerra Mundial.
De certa forma, a criação de um paredão isolando o território favoreceu ao crescimento desse sentimento de fuga e de descontentamento com o socialismo soviético. Havia uma extraordinária recuperação econômica pelo lado oeste da Europa, um verdadeiro milagre administrativo ocorrido durante os anos de 1950/1960. Afinal, era naquela parte do país que os grandes complexos industriais do Ruhr, com suas minas, suas forjas, aço e trabalhadores especializados, mantinham uma produção constante capaz de gerar receitas para suprir a reconstrução daquela parte europeia.
A explicação para tal feito foi simples: desde que as potências ocidentais - no intuito de evitarem a crescente ameaça da Guerra Fria - decidiram em 1948 em não mais aplicarem sanções punitivas à Alemanha, cessando a desmontagem e o translado das fábricas (anteriormente removidas à título de indenização de guerra) do lado ocidental, a região passou a galgar em direção à prosperidade.
Com a divisão da cidade de Berlim, os moradores dos bairros localizados na zona leste, habitualmente redutos da classe operária alemã, tiveram a prestação de suas mãos-de-obra interrompidas e não mais utilizadas pelas indústrias de transformação, já que estas estavam instaladas no lado ocidental da barreira, pelo menos as mais importantes. Por esse motivo, os empresários ocidentais começaram a estimular a chegada de trabalhadores turcos para suprirem o forçado abandono de milhares de alemães orientais de suas empresas. Os novos contratados, inicialmente, foram morar no bairro de Kreuzberg, que hoje somam mais de 200 mil pessoas descendentes desses antigos trabalhadores da década de 1960.
Quem saiu prejudicado com esta troca trabalhista foram os orientais. Além de terem que aceitar um regime ditatorial imposto à base da violência e da repressão quanto à liberdade de direitos, viam-se espoliados das poucas instalações fabris que lá restaram depois da guerra.
Pior seria se a proposta política da pastorização e ruralização total da Alemanha tivesse ganhado coro, defendida certa vez pelo conselheiro de F. Roosevelt, Hans Morgenthau. O digníssimo estadista norteamericano pregava como solução aplicável ao bem estar da Alemanha, e da Europa, a conversão da economia alemã em pastoril, onde os "aldeões" moradores deste país se tornassem criadores de ovelhas e plantadores de repolhos.
Essa tese de submissão doutrinária foi, de fato, quase levada a sério nos anos que se seguiram do pós-guerra pela lado comunista soviético, pelo menos até 1961.

A década de 1980

Podemos afirmar que, à partir da década de 1980, uma forte corrente de libertação tomou conta do território ocupado da Alemanha.
Naquela época, surgiu um movimento religioso - estimulado pela Igreja Evangélica alemã - que ganhou as ruas da pequena cidade de Leipzig baseado na "não violência", assim como o fez Mohandas Karamchand Gandhi (também chamado de Mahatma) que pregava a pró-independência da Índia após o Massacre de Amritsar, em 1920, quando soldados britânicos abriram fogo contra centenas de indianos que protestavam pacificamente contra as medidas autoritaristas do Governo da Inglaterra e contra a prisão de vários líderes nacionalistas do país.
Na noite de 9 de outubro de 1989 (exatamente há um mês antes da queda do Muro) aproximadamente 70 mil fiéis tomaram as ruas da cidade do leste alemão entoando slogans contra o regime soviético, exigindo o fim da polícia política do governo comunista na Alemanha Oriental. Esta reação popular - e inúmeras outras - iniciaram o processo de implosão do sistema socialista do regime do mandatário Herich Honecker, bem como o fim da Guerra Fria.
A direção da Igreja Evangélica da Alemanha Oriental (única instituição da qual os comunistas aceitavam receber uma crítica moderada) determinou à suas lideranças que abrissem seus templos, a cada segunda-feira, para a celebração de uma oração pela paz na região (a Friedensgebet).
Naquela noite, aproveitando-se da visível corrosão do sistema socialista no Leste europeu, a Igreja de São Nicolau (a Nikolaikirche) estava completamente repleta de fiéis para mais um ato em protesto contra o regime soviético no país. De um majestoso órgão na catedral saíam vários e solenes acordes que entoavam composições do compatriota maestro Johann Sebastian Bach. A multidão em silêncio ocupara todo o interior da igreja, enquanto centenas de jovens se estiravam pelo chão para ouvi-los. As harmoniosas notas do grande gênio da música universal ecoavam por Leipzig conclamando o resto da população alemã ao levante contra o temível Muro, mesmo este estando distante da cidade.

A fuga para a Hungria

O verão de 1989 desencadeou uma incontrolável migração na Europa, proporcionando uma nova alternativa de fuga para os alemães orientais que desejavam libertar-se do regime comunista de Berlim.
Aproveitando-se da época de férias, milhares de cidadãos se dirigiram para o território húngaro e amontoaram-se em frente ao prédio da embaixada da Alemanha Ocidental em Budapeste. A fuga foi proporcionada - sem nenhuma intenção para que isso acontecesse - pelos próprios dirigentes comunistas ao permitirem a abertura da fronteira com a Áustria, em maio de 1989.
Com o desimpedimento viário da rota para o Oeste, os berlinenses orientais aproveitaram a extraordinária oportunidade e fugiram levando filhos, carregando mochilas e sacolas de viagem, passando pela Áustria e alcançando a Hungria. Aparentemente, tudo parecia apenas uma viagem de férias!
Eram jovens, adultos, velhos, crianças que imploravam para que a embaixada alemã ocidental os acolhessem como legítimos cidadãos da Alemanha, através de vistos que permitissem a eles viajarem para fora do Bloco do Leste. Não demorou muito para que centenas de outros tantos deles fizessem o mesmo. Os diplomatas da República Federal, diante de uma enorme e incontrolável multidão que passou a acampar em frente ao portão da embaixada, tiveram que ceder. Não havia meios de se fazer mais nada naquele momento. Que entrassem!
Finalmente, depois de muita pressão e de inúmeras negociações, eles receberam, em setembro, a tão esperada autorização das autoridades comunistas húngaras para poderem sair. O mesmo se repetiu na cidade de Praga, onde as lideranças tchecas permitiram que os cidadãos da Alemanha Oriental, refugiados na embaixada ocidental daquele país, saíssem em um trem fechado em direção à Alemanha Ocidental.
À partir daquele momento, o Muro de Berlim não tinha mais função. Quem desejasse abandonar a Alemanha comunista bastava cumprir um roteiro triangular: sair de Berlim oriental, ou de qualquer outra cidade do Leste, alcançar Budapeste e, dali, tomar um trem em direção à Áustria ou à Alemanha Ocidental.

Gorbatchev e o fim do Muro

Temerosos com o crescente vulto de emancipação política e dos vários protestos por todo o território controlado, as lideranças comunistas da RDA questionaram um posicionamento da ex-URSS sobre as ações a serem tomadas. Sondaram o dirigente soviético Mikhail Gorbatchev sobre a possibilidade de utilizarem as tropas e os tanques orientais para uma contenção desse levante popular anticomunista, diante de tamanha ameaça.
Gorbatchev dissuadiu-os. Conforme o líder comunista, não havia mais clima na Europa - depois que ele próprio dera início às reformas políticas no território russo através da Glasnost e da Perestroika - para um retrocesso nesse sentido. Era impossível repetir uma coação militar através da violência como ocorrera em Berlim, em 1953, e em Praga, no ano de 1968. Que os "camaradas" alemães encontrassem uma outra solução que não fosse voltada para a repressão contra o povo berlinense. A sugestão dada por Gorbatchev foi para que os mandatários tentassem recuperar a confiança da população através de reformas administrativas que não fossem contra o direito de liberdade da população oriental.
Mikahil Gorbatchev, eleito pela revista Time como uma das cem personalidades mais importantes do século XX, teve um papel decisivo na reestruturação do sistema financeiro soviético e na consequente queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989. Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) entre 1985 e 1991, o líder vermelho assumiu o poder logo após o falecimento do general Leonid Bréjnev - tido como um "linha-dura" - e seus dois sucessores, Yuri Andrópov e Konstantin Tchernenko.
Diante do inevitável colapso do regime socialista na Europa, Gorbatchev realizou uma mudança política rumo à democratização e à descentralização da economia em duas importantes reformas administrativas: a Glasnost (que em russo significa "transparência") e a Perestroika (reestruturação). A primeira sugeria o abrandamento da censura no país e a segunda, representava um conjunto de ações político-financeiras que visavam às reformas da economia prejudicada pela burocracia, pela corrupção e pelos gastos exagerados na área militar. Tais mudanças geraram a desconfiança e a resistência da linha conservadora do regime comunista, incluindo o não apoio do antigo líder da RDA, Erich Honecker.
A atitude de Mikhail Gorbatchev levou ao colapso final do comunismo europeu e ao fim da União Soviética, motivos que lhe renderam o Prêmio Nobel da Paz, em 1990, por seu empenho em reconstruir e estabilizar o território russo, além de sua luta pessoal para o fim da Guerra Fria contra os EUA.

Um pouco mais sobre o Grande Líder

Gorbatchev nasceu em 2 de março de 1931, filho de camponeses russos do território de Stavropol, no sul da Rússia. A sua carreira política deu-se em 1946, com o seu ingresso no Komsomol - a Liga Comunista Jovem. Em 1952, iniciou sua graduação acadêmica no curso de Direito da Universidade Estatal de Moscou, tornando-se membro do Partido Comunista.
Graduado, Mikhail ocupou diversos cargos no Komsomol até se tornar Primeiro-Secretário do Comitê Regional do partido, no ano de 1970. Um ano depois, Gorbatchev foi nomeado membro do Comitê Central do PCUS. Em 1978, foi nomeado Secretário da Agricultura para, dois anos depois, ser escolhido como membro do Politburo. Sua ascensão deve-se, em grande parte, ao apadrinhamento de Mikhail Suslov, um ideólogo chefe do partido.
Durante pouco mais de um ano do mandato de Yury Andrópov (entre 1982 a 1984) como Secretário-Geral do Partido Comunista, Mikhail Gorbatchev tornou-se um dos membros mais influentes dentro da instituição. Com a morte de Andrópov, assumiu o posto Konstantin Tchernenko, o que fez de Gorbatchev o seu próximo sucessor.
Em 10 de março de 1985, com o passamento de Tchernenko, o Politburo elegeu-o para chefiar o PCUS. Em 1988, o líder soviético consolidou o seu poder ao ser eleito presidente do Soviete Supremo, o Parlamento russo.
Gorbatchev tinha, como principal objetivo político, a pretensão de recuperar a economia da URSS que há muito se encontrava estagnada após longos anos de pouco crescimento, que já durava desde o governo de Leonid Bréjnev (1964-1982). Assim, sua meta foi investir na modernização tecnológica e na maior produtividade, além de tentar afastar a burocracia soviética que se mostrava ineficiente.
Acontece que, não alcançando plenamente o seu objetivo, o então líder do PCUS apostou na implantação de reformas mais profundas em seu país. Em 1987, Mikhail Gorbatchev implantou a chamada Glasnost, que ampliou a liberdade de expressão e repudiou de vez o legado stalinista. A segunda parte de seu pacote de medidas, chamada de Perestroika, promoveu as disputas eleitorais com múltiplos candidatos e instaurou o voto secreto, além de algumas restrições para o livre mercado financeiro. Na política externa, Gorbatchev iniciou uma nova postura de mudança nas relações bilaterais com os Estados Unidos, além de ampliar o comércio com algumas nações do Ocidente.
Em dezembro do mesmo ano, assinou um acordo com o então ex-presidente norte-americano Ronald Reagan para destruir os estoques de mísseis nucleares de médio alcance. Para comprovar que realmente a União Soviética estava passando por mudanças reais e significativas, deu a ordem para a retirada militar das tropas russas do Afeganistão, em 1989, após uma ocupação de nove anos de derrotas consecutivas no desértico e montanhoso país. Suas ações o caracterizam como um dos precursores dos eventos que levaram à transformação da parte Leste da Europa e ao fim da Guerra Fria.
Ainda em 1989, aproveitou-se de todas as oportunidades para manifestar o seu apoio para com os comunistas reformistas nos países do bloco soviético da Europa Oriental. Com a inevitável e crescente democratização que atingiu a Polônia, a Hungria e a Tchecoslováquia, Mikhail Gorbatchev concordou com a retirada gradual das tropas soviéticas provenientes desses países.
Apesar de sua ideologia reformista, Gorbatchev resistiu à reunificação alemã por não confiar em Honecker. Em seus discursos no Politburo, dizia que "a Alemanha Oriental estava tentada a se jogar nos braços da Alemanha Ocidental sob a pressão de problemas econômicos", em referência à recente reaproximação dos dois países e da injeção financeira do Oeste no Leste alemão. Dizia ainda que "as reformas adotadas pela RDA eram supérfluas e Honecker, por sua vez, não acreditava nos benefícios das reformas instauradas na União Soviética, afirmando que o dirigente da Alemanha Oriental havia proibido a circulação das publicações tidas como 'subversivas' da URSS no país".
A relação entre os dois ficou ainda mais tensa quando Gorbatchev decretou o fim da doutrina Bréjnev, sob a qual a União Soviética reservava-se o direito de intervir militarmente em qualquer país aliado do bloco soviético.
Diante dos protestos cada vez mais frequentes da população cerceada, e a fuga em massa dos alemães orientais, era impossível evitar o colapso da RDA até mesmo para Gorbatchev. Pressionado, ainda, pelos Estados Unidos para a demonstração de que novos tempos surgiam para o fortalecimento das relações intercontinentais, o líder russo começou a rever a sua postura de negação quanto à reunificação alemã. Em 1990, ele aprovou até mesmo a entrada da Alemanha reunificada na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), órgão militar vinculado às Nações Unidas.
Porém, descontentes com a onda de democratização na parte leste européia, setores conservadores do Partido Comunista e das Forças Armadas deram um golpe de Estado na União Soviética em agosto de 1991, prendendo Gorbatchev e sua família até 21 de agosto.
Diante da resistência do dirigente populista Bóris Ieltsin, então presidente do Soviete Supremo da Federação Russa, e da mobilização da população de Moscou e Leningrado (atual São Petersburgo), o golpe fracassou. Contudo, Ieltsin saiu fortalecido junto a outros reformistas dentro de seu território.
Após o motim Gorbatchev reassumiu seu cargo, mas a sua influência política estava irremediavelmente enfraquecida diante da população russa. A aliança inevitável com Bóris Ieltsin e a perda de prestígio político o fez renunciar ao Partido Comunista, em 25 de dezembro de 1991. Neste mesmo dia, a União Soviética deixou de existir e passou a figurar apenas nas lembranças e nos livros de História.
Em 1996, Mikhail Gorbatchev concorreu a presidência da Federação Russa, mas recebeu apenas 1% dos votos. Seu adversário, Bóris Ieltsin, foi eleito presidente.
Gorbatchev, contudo, permanece ativo na vida pública russa como porta-voz e membro de várias instituições de ensino.

As comemorações pelos 20 anos da queda do Muro

A tão esperada Festa da Liberdade, organizada para comemorar as duas décadas da queda do Muro de Berlim, teve a participação de cerca de 100 mil pessoas, segundo as autoridades locais. O evento terminou com um espetáculo de fogos de artifício e com a interpretação da música "We are one", escrita pelo DJ alemão Paul Van Dyk especialmente para a celebração.
Ao ritmo da música caiam, também, as peças de um dominó gigante montado ao longo de onde se encontrava o agora inofensivo muro que dividiu a capital alemã entre os anos de 1961 e 1989.
A Festa da Liberdade foi liderada pela chanceler alemã, Angela Merkel, e contou com a presença de líderes de todos os países da União Européia (UE), além do presidente russo, Dmitri Medvedev, e da secretária de Estado americana, Hillary Clinton.
Apesar da chuva, Merkel e os outros líderes mundiais discursaram sobre a queda do Muro e sobre a importância da reunificação alemã. Todos elogiaram a postura dos líderes responsáveis pela derrubada da barreira naquele momento de extrema transição e, demagogicamente, afirmaram que o mundo pode enfrentar desafios como a pobreza e as mudanças climáticas que atingem a Europa e o resto do planeta.
Após as oratórias foi derrubada uma fila de dominós coloridos com 2,5 m de altura em um trecho de 1,5 km - pintados por inúmeros artistas e estudantes alemães - seguindo o traçado de parte do que fora o contorno do muro. Para iniciar o processo de sucessão das peças foi convidado o ex-presidente polonês e ex-líder do Sindicato Solidariedade, Lech Walesa. A escolha foi um agradecimento simbólico pelo papel do Solidariedade contra o regime comunista polonês no início dos anos 1980, que terminaria com a queda do Muro de Berlim e da Cortina de Ferro. A celebração ocorreu em frente ao Portão de Brandemburgo, marco oficial das comemorações.
Entre as atrações musicais, como sempre acontece em shows na Europa com esse cunho de "vencemos a repressão", esteve a presença sempre marcante da banda irlandesa U2 e da figura pacifista de seu "front man", Bono Vox.

E os outros Muros que ainda existem no planeta?

O Muro de Berlim e o seu real sentido proibitivo de contato social entre duas forças econômicas, utilizando a população local como laboratório humano, não foi exclusividade apenas da antiga RDA e do regime comunista.
Atualmente, regimes belicistas do século XXI - e até mesmo o Brasil que não o é - ainda mantêm esse recurso de exclusão como controle político de massas. Iniciarei pela truculenta e sangrenta barreira entre o território da Palestina e o Estado de Israel. Antes, desejo que você leia sobre o que acontece por lá, pelo menos aconteceu na última virada de ano e do qual acompanhei por três desgastantes semanas, para que possamos gerar um fictício cenário imaginacional do que é viver naquele lugar. O documentário está publicado nas páginas abaixo com o título "Notícias do front".
Aproveitando-se do ensejo das comemorações pela queda do Muro de Berlim, cidadãos palestinos lançaram a campanha "Unidos Contra o Apartheid". O manifesto é coordenado por Jamal Juma, da ONG "Contra o Muro". O objetivo - óbvio, é a destruição e rompimento da barreira criada e protegida pelo exército israelense para evitar o lançamento de mísseis contra o seu território.
A organização palestina realizou atos simultâneos, ao longo da semana do evento alemão, com o intuito de chamar a atenção da comunidade mundial para a criação do Estado da Palestina e sua emancipação social e ideológica de todos os seus vizinhos, incluindo o seu "benemérito" Egito.
No dia 12 de novembro, o movimento ativista colocou abaixo uma pequena réplica do Muro alemão no povoado de Bilin, próximo à Belém, com os seguintes dizeres: "Berlim 1989. Palestina?".
O lugar é um barril de pólvora. Ninguém aceita a opinião de ninguém! Vários foram os encontros bancados pela comunidade ocidental para que os principais líderes de Israel e dos grupos extremistas da Palestina - como o Fatah e o Hamas, acordassem a paz na região da Cisjordânia. Por mais que se façam reuniões, os interesses escusos e alheios ao bem estar da população falam mais alto. O lugar, além de ser literalmente um barril de pólvora, é também um barril de petróleo voltado com seu gargalo de dinheiro para o Mar Mediterrâneo.
Geograficamente, a Faixa de Gaza é um território situado no Oriente Médio, limitado a norte e a leste pelo Estado de Israel e ao sul pelo Egito. A sua extensão oeste é banhada pelo Mediterrâneo. É uma das regiões mais densamente povoadas do planeta, com aproximadamente 1,5 milhões de pessoas distribuídas em uma área equivalente a 360 km². Gaza é a sua principal cidade e o seu espaço aéreo e marítimo é controlado por Israel.
Até agora, segundo dados das Nações Unidas, Israel já completou cerca de 400 dos 710 km previstos da divisória, dos quais 85% serão erguidos dentro do território cisjordaniano e só 15% na Linha Verde - a fronteira imaginária aceita internacionalmente após a primeira guerra árabe-israelense de 1948/1949.
A população do território é formada por refugiados remanescentes das guerras ocorridas entre os judeus e os outros cidadãos dos países árabes envolvidos no conflito contra a criação do Estado de Israel, reconhecida em 08 de maio de 1948, pela ONU.
Não tenho o que comentar, mais, sobre esse muro que tão cedo deixará o status de imprescindível para a segurança da região.
A fronteira entre o México e os Estados Unidos é outro local que alude à Berlim de 1961, menos violenta, é claro! O impedimento de trânsito livre entre os países possui 3,2 mil km, sendo que o governo norteamericano construiu um muro de metal em um terço de sua extensão.
Segundo dados de organizações não-governamentais, estima-se que foram investidos mais de US$ 2,4 milhões na barreira para dificultar a passagem de imigrantes ilegais vindos do México e América Central, incluindo o envio de cocaína para os EUA provenientes da Colômbia e de parte da região da América do Sul.
A sua construção iniciou-se em 1991, mas foi somente em 1994 que os Estados Unidos decidiram realmente intensificar a segurança sob a denominada "Operação Guardião".
Em 15 anos, segundo a Comissão Nacional de Direitos Humanos do México, aproximadamente 5,6 mil imigrantes ilegais morreram tentando cruzar a fronteira. A maioria morreu de sede ou em consequência das altas temperaturas do deserto que limita as divisórias. Em alguns pontos, cercas de arame impedem qualquer tipo de contato entre os dois lados territoriais.
A obsessão "high-tech" norteamericana em proteção inclui uma série de dispositivos tecnológicos, como detectores infravermelhos, câmeras, radares, torres de controle e sensores de terra para controle mais eficaz da fronteira.
A preocupação é válida apesar das críticas. A "América" sempre foi o sonho de desejo da maioria dos imigrantes ilegais que circulam pelo mundo, o que aumenta a densidade demográfica do país e os problemas sociais que ocasionam com a entrada de novos comunitários, incluindo o desemprego, a concorrência direta por oportunidades no espaço geográfico e o aumento nos índices de violência.
Acho não ser necessário falar sobre todas as intervenções dos Estados Unidos pelo mundo e sobre o colonialismo mantido por seus presidentes até os dias atuais. Desejo ressaltar, apenas, que a Guerra Fria acabou e a ilha de Cuba não oferece mais tanto perigo com o seu sistema comunista bancado em cima da figura histórica de seu ex, e ainda influente líder, Fidel Castro. É uma prisão sem muros, uma barreira invisível que proíbe a ajuda assistencialista e mercantil de qualquer país membro da ONU.
Quanto às Coreias, a fronteira militarizada é um dos resquícios da Guerra Fria e do comunismo remanescente do século XX. A história remonta a colonização da península coreana, pelo Japão, entre 1910 e 1945.
Após a derrota na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) a região foi dividida em duas zonas sob a influência americana e soviética, igualmente como foi realizado na Alemanha entre os EUA, França e Reino Unido e a ex-URSS. Apesar do gerenciamento estrangeiro, as duas Coreias proclamaram a independência nacional, uma da outra, em 1948.
Em 1950, amparado pelo poder armamentício da ex-União Soviética, o lado Norte invadiu o vizinho do Sul dando início a uma guerra que duraria três anos - a Guerra das Coreias. Mesmo décadas após o conflito armado pode-se dizer que os dois países permanecem, tecnicamente, em guerra. O embate político-militar não se encerrou através de um tratado de paz e sim por um armistício.
A fronteira entre as regiões possui uma extensão de 250 km, dividindo os dois países com cercas de arame farpado, minas terrestres e uma coleção de armamentos oriundos do período bipolar da economia mundial.
A imprensa sul-coreana lembra que a população de Seul deve estar preparada para uma abertura inesperada da fronteira com a Coreia do Norte, próxima à zona desmilitarizada, mesmo com a constante ameaça retaliatória e injustificável de chamar a atenção mundial vinda de Pyongyang.
A parte Norte é um Estado unipartidário liderado pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia. O governo do país segue a orientação política desenvolvida por Kim il-sung, ex-líder da nação. A doutrina juche tornou-se a ideologia oficial do Estado quando o território adotou uma nova constituição em 1972, apesar de seu ex-líder tê-la praticado similarmente desde o início de 1955.
Oficialmente a Coreia do Norte é denominada uma república socialista, apesar de ser considerada por muitos sociólogos como uma ditadura totalitarista sob orientação stalinista. O mandatário atual é Kim Jong-il, filho do venerado presidente Kim il-sung. O regime norte-coreano é tão rígido que não são divulgadas nenhuma nota na Imprensa local sobre a saúde de Jong-il, por motivo de segurança do Estado. Tal fato mantém a crendice popular de um líder eterno, benfeitor e protetor do seu povo.
A pergunta chave é saber se a Coreia do Sul está preparada, ou não, para uma reunificação com a Coreia do Norte. Na minha opinião, acredito que não. O alto custo de uma reunificação arruinaria a economia sul-coreana.
Segundo o jornal "Herald", "o vão econômico entre as duas Coreias é muito maior do que entre as duas Alemanhas antes da reunificação. A Coreia do Norte teve um PIB de US$ 17 milhões em 2008, cerca de 2% do PIB sul-coreano". Algumas estimativas apontam que custaria mais de US$ 1 trilhão para a Coreia do Sul absorver a Coreia do Norte em seu território e jurisdição.
Apesar do alto custo com uma futura reunificação, pesquisas divulgadas recentemente sobre a suposição indicam que mais de 60% dos sul-coreanos entrevistados querem a unificação. A ressalva é a de que aconteça daqui a alguns anos, para uma melhor estruturação da política e da economia da parte Sul. Outras 700 entrevistas apontaram que a Coreia do Norte é uma ameaça e poucos disseram acreditar que o vizinho está disposto a desistir de seu programa nuclear.
Pode parecer mentira mas no Brasil também temos os nossos muros da vergonha. Encontram-se em construção, no estado do Rio de Janeiro, desde o começo de 2009 e são circundantes de algumas favelas e bairros pobres que crescem nos morros da cidade. No total, 13 são as favelas que possuem esta "proteção".
Segundo as autoridades cariocas, o objetivo é evitar que as construções precárias provenientes dessas comunidades invadam e destruam, mais ainda, a vegetação da Mata Atlântica que resta ao redor das áreas sob vigilância.
No morro de Santa Marta já foram construídos mais de 600 m de barreiras, enquanto que na favela da Rocinha o governo concordou em limitar a parede às zonas com risco de deslizamento. O restante será transformado em sítios ecológicos e em reservas naturais.
Para alguns observadores, os muros do Rio de Janeiro teriam por objetivo separar as partes mais pobres da sociedade das mais ricas, o que representa um apartheid social na cidade litorânea.
Não acredito em nenhuma das duas teses apresentadas à população. O muro carioca representa a falta de controle gerencial do Estado sobre a violência e sobre a questão habitacional, o que favorece à favelização das encostas e ao aumento da violência urbana na capital fluminense.
Acho incrível este fato não ser divulgado fora do noticiário carioca ou abordado pelas campanhas do Governo Federal.
Não é conveniente afirmarmos que também construímos nossos muros em territórios habitados ou que deixamos que milícias paramilitares controlem determinadas regiões dentro de um Estado republicano, favorecendo a anarquia militar no país?
Pega mal sermos indicados para sediarmos uma Copa do Mundo e, dias após a escolha, a bandidagem derrubar um helicóptero da Polícia Militar?
Digo que o planeta não mudou muito de 1989 para cá. As formas geométricas que cercavam territórios apenas fortificaram-se em outros locais e em outros continentes. A violência opressora e o controle social que prevaleceram durante a Guerra Fria agora são vistos sob uma outra ótica de proteção territorial, de benefícios a favor de uma população que necessita desse tipo de proteção contra um invasor que ela mesma representa.
Seja na Palestina, no México, Cuba, Coreia ou no Brasil, a imposição de barreiras sempre afeta quem mais precisa da proteção estatal. São crianças, velhos, carentes, pobres e todos aqueles que nunca recebem uma atitude de carinho das autoridades superiores e magistradas. Apenas dão-lhes, na cara, um muro de boa sorte! (CS)

quarta-feira, 24 de junho de 2009

A tênue diferença entre os academicamente graduados e os colaboradores da Imprensa Brasileira


Sempre gostei de comentar, ou melhor, dar os meus pitacos sobre assuntos que de alguma forma me incomodam. Como não poderia deixar de ser, a decisão do Supremo Tribunal Federal em não averbar a obrigatoriedade do diploma de ensino superior para o exercício da profissão de jornalista, julgada improcedente na assembleia do último dia 17 de junho, é uma delas. Vou tentar manter a imparcialidade e, desde já, peço perdão se de alguma forma não atender aos anseios dos meus leitores. Não buscarei o corporativismo profissional e nem tão pouco aceitarei os argumentos medíocres do qual execraram a minha profissão. Basearei a minha argumentação sobre o que tenho percebido com os avanços midiáticos do século XXI, como a digitalização da informação e a emancipação intelectual através dos portais da rede mundial de computadores.

Considerado inconstitucional pela maioria dos Ministros do STF, foi indeferido o decreto-lei nº. 972 de 1969, que estabelece que o diploma de Bacharel em Jornalismo seja necessário para o exercício da referida profissão. Segundo os magistrados, a resolução é antiquada e não atende aos critérios da Constituição de 1988 para a regulamentação de profissões.

O Ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal - e relator do pedido -, abriu a sessão defendendo a extinção da obrigatoriedade do diploma acadêmico alegando que ela impede a liberdade de expressão dos cidadãos de se manifestarem nos meios de Imprensa e de comunicação em massa. O voto do relator foi acompanhado pelo consenso dos Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Cezar Peluso, Carmen Lucia e Ellen Gracie. O Ministro Marco Aurélio foi o único contrário ao requerimento em pauta. Já os Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Alberto Menezes não estiveram presentes na histórica sessão.

O processo teve início em outubro de 2001, quando o Ministério Público Federal, a pedido da FENAJ, entrou com uma ação judicial na qual se mantivesse a obrigatoriedade do diploma de Jornalista para o exercício da profissão nas empresas de notícias. Uma liminar editada ainda no mesmo ano suspendeu a exigência do diploma acadêmico aos não graduados. Com o novo impasse, a FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) entrou com um novo recurso na Justiça Federal.

Em outubro de 2005, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região entendeu que a diplomação é realmente necessária para o bom exercício profissional e deu causa de ganho à Federação. Como já existem profissionais muito qualificados atuando há vários anos nas redações e oriundos de um período em que a exigência não era obrigatória, foram impetrados um novo recurso do Ministério Público Federal junto ao STF e, em seguida, uma ação para garantir o direito ao exercício da profissão aos não graduados academicamente até o recurso final outorgado pelo Supremo.

Em novembro de 2006, o STF decidiu liminarmente pela garantia do exercício da atividade jornalística aos que já atuavam na profissão independentemente de registro no Ministério do Trabalho ou de diploma de curso superior na área.

No dia 17 de junho de 2009, o Superior Tribunal Federal excluiu definitivamente a exigência do titulo acadêmico, pondo um ponto final no imbróglio que se arrastava há anos.

Desejo ressaltar que a questão em si deve-se ao poder político dos grandes conglomerados jornalísticos, visto que o Recurso Extraordinário nº. 511.961 foi interposto pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo e pelo Ministério Público Federal. Obviamente, uma decisão corporativa e particular e não uma ação coletiva emanada pelo desejo da população civil.

O que não foi abertamente esclarecido para os futuros acadêmicos, segundo a diretora do Sindicato dos Jornalistas de Juiz de Fora, jornalista Lúcia Schmidt, foi o significado da abolição do inciso V do artigo 4º do decreto-lei nº. 972 de 1969, julgado improcedente por fixar exclusividade apenas a uma categoria profissional para se manifestar em um meio de comunicação. Conforme o seu artigo assinado no jornal O Tempo, no dia 21 de junho de 2009, permanecem inalterados os demais dispositivos da regulamentação da profissão de jornalista junto à Imprensa Brasileira, não havendo prejuízo aos novos profissionais.

Em minha opinião, tal inciso estava realmente em desalinho com o atual cenário midiático proporcionado pelas inovações do século XXI, mas acho a medida precipitada quanto a sua imediata aplicação.

Justifico: durante o período ditatorial imposto ao país durante os Anos de Chumbo, os jornalistas eram vistos como ativistas que insurgiam as massas populares contra o regime dos generais. A intenção governamental era diminuir as críticas contra a ditadura elevando o nível de controle intelectual dos futuros formadores de opiniões e nos meios de comunicação, através de pequenos grupos de profissionais moldados e monitorados em escolas das quais seriam supervisionadas pelo Governo. Acontece que uma universidade é um centro de saber e as insurgências aconteceriam, como aconteceram em 1968 motivando a instauração do Ato Institucional nº. 05.

Essa classe pensante e questionadora de seus direitos não pode simplesmente ser apagada de uma hora para outra como um papel velho que se joga na lixeira. Não havia a necessidade de o Supremo Tribunal Federal promulgar de forma definitiva uma decisão drástica e polêmica sem ao menos um prazo de carência para que fossem estabelecidas novas diretrizes profissionais sem um prejuízo à classe dos jornalistas. Restou a simbologia escrita do termo “jornalista” como sendo necessária para o devido registro profissional junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, possuindo o titulo acadêmico ou não.

Para as empresas, ficou a já existente obrigatoriedade proporcionada à maioria das profissões no momento de contratar funcionários. No nosso caso, para a atividade de jornalista em tempo integral: garantir-nos o título com o respectivo registro de nossa função no Ministério do Trabalho.

Claro que a desobrigatoriedade do diploma aprovada pelo STF aumenta a concorrência predatória dentro das agências de Imprensa e a provável desvalorização tanto profissional quanto salarial de todos os jornalistas. E olha que o salário já é pouco! Mas um profissional bem qualificado vale o seu peso em ouro.

Por isso, afirmo que é equivocado dizer que uma empresa de comunicação, com um ótimo know-how de prestígio junto aos seus leitores, abrirá mão de ter um profissional gabaritado para representá-la perante o seu público. Como sabemos, em quase todas as grandes empresas - para a obtenção de um vínculo empregatício - é necessário uma prévia seleção dos candidatos, onde aqueles possuidores da diplomação superior estarão mais qualificados do que outros que não possuem tal referência. A revogação apenas preserva a condição profissional daqueles que já atuam há vários anos como jornalistas, tendo a experiência prática como aval para a sua permanência dentro do meio informativo empresarial.

O que me incomodou foram as formas de expressões utilizadas pelos Ministros do Supremo demonstrando uma total incapacidade de percepção e acuidade sobre a profissão jornalística ao defenderem os seus pontos de vista sobre o assunto. Creio que, no mínimo, foram deselegantes e extremamente soberbos quanto ao desconhecimento do valor cultural, social e imprescindível do profissional de Imprensa. Soou como se fossemos uma casta social que não representa em nada os interesses da população junto às esferas do poder nacional. O simbólico título de O Quarto Poder, aquele que fiscaliza as ações políticas e sociais do país, é um empecilho às falcatruas e leviandades cometidas contra o povo brasileiro, fato do qual a Imprensa nunca foi omissa ou ignorou a sua real função de combater a injustiça e a desigualdade no que tange à informação aos seus leitores.

A sociedade contemporânea necessita do jornalista - do verdadeiro jornalista - indiferente de diploma ou não! Vivemos em um mundo globalizado, virtualizado e carente de pessoas que interpretem e compreendam o cenário midiático atual, com seus logins, plugins, e linguagens específicas da nova convergência de suportes oferecidos pela interação textual, áudica e visual comportadas em aparelhos cada vez mais sofisticados e de uso popular.

Começarei pela argumentação do Ministro Gilmar Mendes. O digníssimo presidente do STF, também relator do processo, destacou que a exigência do diploma não garante qualidade aos profissionais. Segundo ele, "a formação específica em cursos de jornalismo não é meio idôneo para evitar eventuais riscos à coletividade ou danos a terceiros".

Afirmou, ainda, que o diploma para a profissão de jornalista não garante que não haverá danos irreparáveis ou prejudiciais aos direitos alheios.

"Quando uma noticia não é verídica ela não será evitada pela exigência de que os jornalistas frequentem um curso de formação. É diferente de um motorista que coloca em risco a coletividade. A profissão de jornalista não oferece perigo de dano à coletividade tais como a medicina, a engenharia e a advocacia nesse sentido; por não implicar tais riscos não poderia exigir um diploma para exercer a profissão. Não há razão para se acreditar que a exigência do diploma seja a forma mais adequada para evitar o exercício abusivo da profissão", argumentou em seu discurso de abertura.

Durante a sua oratória, Mendes foi ainda mais equivocado quanto ao seu conhecimento sobre a profissão da qual julgava, quando comparou, equivocadamente, os afazeres jornalísticos aos de um cozinheiro. "Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área. O Poder Público não pode restringir, dessa forma, a liberdade profissional no âmbito da culinária. Disso ninguém tem dúvida, o que não afasta a possibilidade do exercício abusivo e antiético dessa profissão, com riscos eventualmente até à saúde e à vida dos consumidores", concluiu.

Sobre as faculdades, o Ministro Mendes não acredita em um descrédito quanto à importância da graduação superior ou quanto ao fechamento dos cursos de jornalismo. Segundo ele, "tais cursos são importantes e exigem preparo técnico e ético dos profissionais para atuarem. Os jornalistas se dedicam ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada", enfatizou.

Desejo respondê-lo:

Quanto “à formação específica em cursos de jornalismo não é meio idôneo para evitar eventuais riscos à coletividade ou danos a terceiros”, concordo aparentemente com o ilustre magistrado e peço que relembremos casos em que profissionais mal qualificados, ou até mesmo mal intencionados, causaram prejuízos físicos e morais à sociedade e a cidadãos que tiveram a vida totalmente execrada pela mídia em um âmbito público generalizado.

O caso ESCOLA BASE reflete um triste passado onde cidadãos brasileiros foram presos, coagidos, torturados e depois inocentados pela inveracidade das informações divulgadas por jornalistas que não tiveram o bom senso de ouvir as partes envolvidas, dando razão a um delegado que somente queria aparecer nos holofotes que a Imprensa oferecia, e a ambos especuladores de interesses recônditos de intuito a se promoverem quanto profissionais de ponta.

Concordo em parte que, não foi preciso um diploma para causar tamanho dano público. Os fatos provam que houve uma parcialidade e cumplicidade destes maus jornalistas - especulo que nunca foram os melhores em suas turmas de aula.

Imagino nos tempos de graduação: “Fulano, tô ferrado! Dá para colocar o meu nome no seu trabalho?” Esperar o quê de um cara desses? Mesmo tendo sido graduados, são medíocres. Não assimilaram nenhum conhecimento teórico, humanístico, técnico e ético sobre o valor de ser um jornalista. Mas, todos eram graduados? Se forem, concordo com o Ministro. Pelo menos especulo que o delegado não tinha, ou tem, formação superior em Jornalismo.

É fato que as ações da Imprensa e da Polícia Civil de São Paulo à época, foram negligentes e co-autoras de um dos episódios que se tornaram exemplos a serem estudados nos cursos de Jornalismo. Se este fato é debatido em salas de aula logo no primeiro período de graduação, quem os desconhecer estará pré-apto a repeti-los. Daí a importância do conhecimento educacional para que o jovem jornalista se lembre de um erro que nos envergonha e muito, pois faltaram a ética e o bom senso que somente os bem treinados profissionais conseguiriam ater-se pelo discernimento na formulação das informações a nós prestadas.

Sebastião Nery, jornalista, filósofo e bacharel em Direito, escreveu em seu livro Os Grandes Pecados da Imprensa, um capitulo sobre Paulo Francis (jornalista não graduado) em que o finado correspondente põe em dúvida a idoneidade de nada mais, nada menos que Ruy Barbosa, em um artigo publicado no dia 03 de março de 1991, no jornal O Estado de São Paulo. Segundo o pseudo-jornalista, “Ruy Barbosa levava para sua casa em Botafogo cadeiras com a insígnia RB, que queria dizer República Brasileira, e ele rebatizou de RB, Ruy Barbosa”.

Um ano depois, em 17 de junho de 1992 no mesmo O Estado de São Paulo, Paulo Francis voltou a atacar o poeta Ruy Barbosa: “Ruy levou 5 mil contos de réis a D. Pedro II, quando deposto, embarcando para a Europa. Pagou? Ou furtou? Quando eu era garoto, morei perto da casa de Ruy, em Botafogo, e as cadeiras tinham escrito RB, Ruy Barbosa, mas diziam que ele as tinha roubado e o RB queria dizer República Brasileira”.

Segundo Sebastião Nery, nunca houve “República Brasileira”. Foi o próprio Francis quem inventou o termo. Desde 1889, com a proclamação de Deodoro da Fonseca, o termo sempre utilizado foi “República dos Estados Unidos do Brasil”. A Assembleia Constituinte de 1987 mudou-o para República Federativa do Brasil. Nunca, em livro histórico algum, ouviu-se falar na inacreditável estória de Paulo Francis. Apesar de toda a brutal oposição que Ruy Barbosa enfrentou em meio século de lutas políticas, no Império e na República, nenhum periódico qualquer mencionou tal fato. Foi mais uma leviandade inventada pelo Srº. Paulo Francis durante o seu exercício na profissão de jornalista.

Quanto aos 5 mil réis, o jornalista Francis não mentiu, mas fraudou e distorceu a informação publicada. Nery explica:

“O decreto nº. 2 do Governo Provisório, de 16 de novembro de 1889, logo no dia seguinte à proclamação da República, com Dom Pedro ainda no Rio de Janeiro, assinado por Deodoro e todos os membros do governo, ‘concedeu ao Srº. Dom Pedro de Alcântara a quantia de 5.000:000$ de ajuda de custo para o seu estabelecimento no estrangeiro’. Um general entregou ao imperador o decreto dos 5 mil contos e a mensagem do prazo de partida, e ele aceitou e agradeceu, em um bilhete a Deodoro, onde falou da ‘pátria de nós estremecida’. Mas quando os tenentes Jerônimo Teixeira França e Agostinho d’Almeida subiram a bordo do navio ‘Parnaíba’ e entregaram um envelope com o dinheiro, Dom Pedro recusou”. Ruy Barbosa nem lá estava e Paulo Francis também não. Isto não o impediu de especular e caluniar o antigo estadista brasileiro.

Além destes, muitos outros foram atingidos por campanhas difamatórias junto à Imprensa, como o ex-Ministro da Saúde Alceni Guerra, na gestão presidencial Collor de Melo, na década de 1990. Os jornalistas responsáveis? Senhores Alberico Souza Cruz e o ex-centenário Roberto Marinho.

Continuando a argumentação do Supremo Ministro, penso eu que: se um jornalista pode ser comparado a um cozinheiro - não menosprezando ou inferiorizando a profissão -, digo que o ilustríssimo relator deva optar em tornar-se um herbívoro, alimentando-se somente de hortaliças e feno, pois creio que se um Chef de cozinha errar em sua profissão o tempero, não medir devidamente a proporção dos seus condimentos, não cozinhar os legumes ou mesmo não lavar o seu material de trabalho, é extremamente provável que possa causar uma enorme má digestão ou uma perturbação estomacal generalizada ao oferecer aos seus clientes uma suculenta gororoba de letrinhas.

Quanto à continuidade do curso de Jornalismo nas instituições superiores, pelo menos eles - os Ministros do STF - viram a coerência na importância do saber. Menos mal!

O fim da obrigatoriedade do diploma para jornalista é apenas uma oficialização do que já acontece, na prática, nas grandes redações do país. O STF seguiu o entendimento proposto pela ANJ (Associação Nacional dos Jornais), que prefere, por exemplo, que um economista preste esclarecimentos técnicos sobre artigos que envolvam o Caderno de Economia.

Segundo o diretor do Comitê de Relações Governamentais da entidade, Paulo Tonet Camargo, “a ANJ não é contrária ao diploma e nem à formação do jornalista, mas avalia que a obrigatoriedade do mesmo fere a liberdade de expressão”. Em sua opinião, o diploma é importante mas não fundamental para o exercício do trabalho nas redações e nos meios de comunicação, visto que existem profissionais de outras áreas acadêmicas melhores qualificados para responderem a um determinado assunto.

Seguindo as argumentações corporativas, os outros Ministros do STF acompanharam o voto do seu presidente. Na avaliação do Ministro Gilmar Mendes, o inciso que estabelece que o diploma superior seja necessário para o exercício da profissão de jornalista não atende aos critérios da Constituição de 1988 para a regulamentação de profissões.

A argumentação da advogada do Sertesp, Drª. Taís Gasparian, ressalta que a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo é inconstitucional porque a Constituição de 1988 garante a liberdade de expressão e do livre pensamento. Gasparian afirma que a profissão de jornalista não depende de conhecimentos técnicos.

“A profissão não depende de um conhecimento técnico específico. A profissão de jornalista é desprovida de técnicas. É uma profissão intelectual ligada ao ramo do conhecimento humano, ligada ao domínio da linguagem, procedimentos vastos do campo do conhecimento humanista, como o compromisso com a informação e a curiosidade. A obtenção dessas medidas não ocorre nos bancos de uma faculdade de jornalismo.” A defensora disse, ainda, que em outros países como os Estados Unidos, a França, a Itália e a Alemanha não há a exigência de tal diplomação superior.

Como não precisa de técnicas? Ela acha que não temos os mesmos conceitos éticos, estruturais, analíticos, oratórios e todos os afins que a profissão de bacharel em Direito também possui? Salvo não me engano, o título que ela ostenta é a de Bacharel em Comunicação com habilitação em Direito. Bacharéis em Comunicação também somos. Observem a sua incoerência:

“É uma profissão intelectual ligada ao ramo do conhecimento humano, ligada ao domínio da linguagem, procedimentos vastos do campo do conhecimento humanista, como o compromisso com a informação e a curiosidade”.

Gasparian está falando de qual profissão? Da dela? Permitam-me utilizar do mesmo latim do qual os juristas do Direito se utilizam, ou melhor, dos intelectuais Bacharéis em Comunicação Social:

“Ad aeterno nascuntur poetae, fiunt oratores. Ab alto, ab imo pectore, acta est fabula ad nutum. A quo, aequam memento rebus in arduis servare mentem, aequo animo ars longa vita brevis, aliquando bonus dormitat Homerus”.

(Desde a eternidade os poetas nascem e os oradores se fazem. Sem conhecimento aprofundado e minucioso, do fundo do coração, acabou-se a história pela vontade de uma das partes em posição superior. Na ignorância, lembra-te de manter o ânimo justo nos momentos difíceis, com equilíbrio de julgamento, pois a arte é longa e a vida é breve e de vez em quando, o bom Homero cochila; todos erram, ainda os que são do valor de Homero).

Em contrapartida, o advogado da FENAJ, Drº. João Roberto Fontes, defendeu a obrigatoriedade do diploma acadêmico como essencial para a boa prática do jornalismo. "A exigência do diploma não impede ninguém de escrever em jornal. Não é exigido diploma para escrever em jornal, mas para exercer em período integral a profissão de jornalista. O jornalismo já foi chamado de Quarto Poder da República. Será que não é necessário o conhecimento específico para ter poder desta envergadura? Um artigo escrito por um inepto poderá ter um efeito devastador e transformar leitores em vítimas da má informação", enfatizou Fontes.

Pode até parecer um absurdo ou uma hipocrisia de minha parte, mas esta decisão do STF não me causou surpresa. A liberdade de se expressar na mídia, indiferente de sermos jornalistas ou não, ocorreu primeiramente no Rádio e na Televisão, e depois no Jornalismo Impresso. Com a implantação da tecnologia digital nas redações, a profissão de fotojornalista sofreu uma mudança brusca quanto a sua produção, aceitação contextual e queda do suposto elitismo dos fotógrafos de Imprensa. A tecnologia da telefonia digital proporcionada pelos novos aparelhos celulares, com a inserção de câmaras digitais em seu corpo, banalizou o estereótipo de que somente os repórteres fotográficos eram capazes de produzirem e assimilarem de forma jornalística o cotidiano das cidades. Tudo isso graças à liberação do uso civil da internet fora dos meios militares de defesa.

Acredito em um discurso positivista sobre os direitos de cada cidadão em ser uma fonte de informação argumentativa. A evolução digital proporcionou uma maior igualdade no direito a liberdade de expressão das pessoas. Digo que “as coisas não pertencem mais ao tempo. Pertencem a um outro tempo que é de todo mundo”.

Essa ideologia me faz argumentar que a veiculação de um material produzido por não jornalistas, respeitando os devidos conhecimentos técnico-acadêmicos em um ambiente restrito a formadores de opiniões, contribui para a disseminação das oportunidades informativas em respeito às manifestações sócio-culturais abrangidas pela representatividade do emissor quanto fonte de representação individual e humana. Essa liberdade em se expressar deve ser aceita como cultura de massa, ressaltando que o indivíduo vive e interage em um mundo cada vez mais globalizado e informativo, capaz de influenciar o comportamento geral de toda a aldeia global.

Por isso a importância da valorização do diploma acadêmico de jornalista e a aceitação de que não somos os únicos capazes de informar sobre um assunto que, muitas vezes, é complexo de ser explicado sem a presença de um especialista de uma devida área do conhecimento humano.

Ainda é cedo para que todo esse processo de aprimoramento social alcance um formato mais definível para uma análise mais estruturada. Devemos aguardar a conclusão das mudanças midiáticas propostas pela internet com a absorção de todos os suportes capazes de difundir uma mensagem. Acredito que a profissão de jornalista não corre nenhum risco de desaparecimento dentro desse novo conceito de Imprensa, onde as informações técnicas veiculadas sobre determinados assuntos no meio poderão ser produzidas por profissionais não jornalistas.

Pondero que, em uma observação social, tais articulistas não são jornalistas por vocação e ignoram detalhes que são primordiais para a complementação mais ideológica do texto escrito. Ressalto que a informação não é uma propriedade privada, por isso a sua constante emancipação dos meios jornalísticos.

Desejo pronunciar-me mais um pouco.

Apesar das críticas que receberei de colegas de profissão, sou defensor de um curso técnico em formato de pós-graduação para profissionais de outras áreas acadêmicas, devidamente graduados, que queiram participar do fantástico universo do jornalismo, especificando um determinado ramo de atuação. Caso desejem uma abrangência maior, que sejam obrigados a se graduarem normalmente como todos os outros jornalistas.

Só para polemizar, faço-lhes a seguinte pergunta:

Você, jornalista graduado ou em formação, acha mesmo ser necessário ter um diploma para justificar a porcaria de jornalismo marrom que assistimos na TV e lemos nessas revistas fúteis de fofocas? Um canudo não quer dizer nada. Conteúdo profissional sim!

Entrevistas satíricas e sem cunho informativo, repórteres com figurinos de palhaços trabalhando como paparazzis da vida alheia e apresentadores que não sabem regras básicas até mesmo de como se portar perante o vídeo são jornalistas? O que você acha? Por possuírem graduação superior são bons profissionais?

Respondo-lhes que isso pode ser chamado de cultura de massa, ou melhor, cultura de entretenimento. Um produto da Indústria Cultural. Sobre isto, explico.

Apocalípticos versus Integrados: de quem é a razão?

Uma das disciplinas que cursei na faculdade teve como tema de estudo o livro do jornalista italiano Umberto Eco intitulado Apocalípticos e Integrados, que trata sobre a questão da indústria cultural e a cultura de massa na década de 1960.

A argumentação ideológica de conceitos genéricos proposta por Eco era a formulação de uma nova orientação nos estudos relativos aos fenômenos da cultura de massa, criticando a postura apocalíptica dos teólogos da Escola de Frankfurt - que acreditavam que a cultura de massa era extremamente prejudicial aos valores artísticos e morais - contrapondo-a aos princípios de que a própria cultura de massa é resultado da integração democrática das massas populares na sociedade, defendida pelos teólogos Integrados.

Os Apocalípticos viam a cultura de massa como uma anticultura que se contrapunha à cultura em seu sentido aristocrático, sendo por eles considerada uma decadência quanto aos valores sociais da época.

Os Integrados viam nesse fenômeno a simples abertura cultural da própria sociedade com a circulação de novas correntes de uma arte e de uma cultura provinda dela mesma, como um processo natural de evolução social.

O termo “Indústria Cultural” foi cunhado pelos frankfurtianos Theodor Adorno e Max Horkheimer, na década de 1940. O discurso iniciado por eles demonstra como o uso indiscriminado e impensado da mídia pelas elites sociais pode comprometer a sociabilização do homem. Tal mecanismo induz a passividade crítica dos cidadãos que consomem, diariamente, uma carga informativa e ideológica do mundo que os cercam, impedindo-os à uma formação reflexiva sobre o conteúdo assimilado.

Quanto à formação do pequeno cidadão, digo, das crianças e dos adolescentes, segundo o sociólogo Émile Durkheim, em As Regras do Método Sociológico, “a educação é um dos principais agentes coercitivos, responsável por moldar as crianças à sociedade”. Durkheim também afirmava que a sociedade detém um caráter de exterioridade aos indivíduos. Estes, ao não se adequarem, sofrem sanções psicológicas.

Reconhecemos a influência da mídia sobre o indivíduo e o seu enorme poder de persuasão em seus receptores. Como instrumento educandário, espera-se que ela seja um veículo promotor da inclusão dos cidadãos e defensora de seus direitos quanto pessoas conscientes dos fatos que acontecem no mundo e em suas cidades que, direta ou indiretamente, possam vir a afetar o seu estado público de direito.

Sob o ponto de vista apocalíptico, a desobrigatoriedade do diploma de jornalista diminui a qualidade ética e técnica no manuseio informativo formador de opiniões, haja visto que são necessários vários conteúdos culturais para se exercer com dignidade o papel de representante intelectual da população.

Para muitos de nós, jornalistas, a atual medida judicial coloca em xeque nossas vaidades, competência e responsabilidades. Uns, porque os intermináveis anos de sacrifício durante a graduação não mais os diferenciam em um meio profissional que era somente deles. Perdeu-se o glamour, o brilho da exclusividade do “ser” jornalista, do intelectual que a tudo sabia.

Outros, agradecem a oportunidade de poderem se expressar em um produto que eles também consomem, e muitas vezes, se sentem ofendidos ao ouvirem, ou lerem, um artigo que não condiz com o real significado que ele detém quanto profissional próprio da área.

Conforme mencionei, somente o bom profissional, aquele atualizado com o atual contexto mundial e com as possibilidades de interação em todas as mídias informativas através dos novos e contínuos processos evolutivos da comunicação, sobreviverão a este novo cenário interposto a nós. (CS)